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Siga o chefe! Ou: de quando a hierarquia explica a violência

Farda e violência são palavras que ocupam o mesmo campo semântico. Desde que a humanidade passou a se organizar em sociedade, a criação de instituições destinadas à mediação das relações e dos conflitos decorrentes dessa estrutura comunitária se fez necessária. E na proporção em que as populações aumentavam e os grupos sociais ficavam maiores e mais heterogêneos, também essas instituições aumentavam em número e complexidade. Os órgãos responsáveis pela segurança do povo foram se tornando instrumentos importantes do processo civilizatório. Quando foi, então, que esses órgãos de segurança se transmutaram em órgãos de INsegurança?

Retomando a ideia inicial, as polícias e as forças armadas existem em função da violência, em todos os aspectos, seja na função institucional de conter a violência, seja na forma encontrada para fazer esse enfrentamento, baseada cada vez menos na inteligência e cada vez mais na própria violência. Claro que é uma afirmação a ser contestada rapidamente pelos defensores das organizações policiais e militares. Mas, como se costuma dizer, contra fatos não há argumentos e os acontecimentos das últimas semanas comprovam a hipótese.

Presidente Jair Bolsonaro assiste a demonstração de manobras táticas da Operação Formosa 2021, que contou com a participação das três Forças Armadas. Os exercícios contam com 2.500 homens da Marinha, Exército e Aeronáutica. O presidente acionou o disparo Obusteiro de artilharia, ao lado do ministro Ciro Nogueira (Casa Civíl). Sérgio Lima/Poder360 16.08.2021 Imagem copiada de: https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-teve-recorde-de-eventos-militares-antes-de-7-de-setembro/. Acesso em: 31 de maio 2022.

No que diz respeito aos órgãos de segurança fardados (polícias, forças armadas etc.), a organização se dá expressamente com base na hierarquia e na disciplina. O comando mais alto das forças armadas e a chefia do ministério da justiça, a que estão vinculadas as polícias, cabe à presidência da república. A minha conversa de hoje poderia terminar aqui, já que o mote são os assassinatos promovidos por agentes de órgãos de segurança nos últimos tempos. A observação de que a chefia desses órgãos é exercida por Jair Bolsonaro dispensaria maiores explicações sobre os fatos, mas vou avançar um pouco.

Nunca antes na história inteira do país de norte a sul (aqui lanço mão propositalmente da técnica discursiva de Olavo de Carvalho, que formou a base narrativa da extrema-direita desde os anos 90 e, por consequência, deu origem ao bolsonarismo) um chefe do executivo foi tão responsável pela violência praticada pelas instituições. Pode parecer absurda essa afirmação, afinal tivemos a ditadura do estado novo, a ditadura instituída pelo golpe de primeiro de abril e tantos outros momentos de regimes de exceção. Entretanto, que expressão usamos para referir os momentos mais sombrios do regime militar? Porões da ditadura. Os generais da época sabiam que as coisas mais cruéis não podiam ser feitas à luz do dia. E estamos tratando de um tempo em que não existia internet e muito menos câmeras de celular aptas a registrar tudo e mandar ao vivo para o mundo. Por que, então, hoje, uns caras se sentem à vontade para assassinar um homem de um jeito absolutamente brutal dentro de um porta-malas de uma viatura policial, mesmo sabendo que estão sendo vistos, ouvidos, filmados? Por que outros caras não têm nenhum receio de entrar numa comunidade periférica e metralhar aleatoriamente, matando gente trabalhadora? Por que um militar se acha no direito de tirar a vida de um homem que chegava em casa pela simples desconfiança que ele fosse um assaltante? A resposta é simples: porque sabem que o chefe vai dar apoio. Não foi o que fez Bolsonaro ao elogiar a ação polical na Vila Cruzeiro? Já quando foi perguntado sobre o assassinato de Genivaldo, a resposta foi lacônica: “Preciso me informar melhor.” Como se as imagens não bastassem.

Imagem copiada de: https://tribunasaocarlense.com.br/a-psicopatia-de-jair-bolsonaro/. Acesso em: 31 de maio 2022.

Os bolsonaros não só convivem bem com a violência como a incentivam. Se deleitam com o sofrimento alheio. São pessoas elas mesmas violentas e cruéis. Bolsonaro e seus filhos sequer podem ser comparados ao seu ídolo maior, o torturador reverenciado no voto golpista do impeachment. Brilhante Ustra, um dos homens mais abjetos dos tantos que esse país já pariu, praticava seus atos nas salas escuras e escondidas dos aparelhos do regime. Albert Hening Boilesen, o presidente da Ultragaz que financiou a ditadura e pedia para participar das sessões de tortura, não teria a ousadia de apoiar abertamente a violência extrema, como fazem Bolsonaro e seus filhos. Isso tem reflexo evidente na atuação das pessoas que de alguma maneira estão sob seu comando ou que, mesmo agindo por conta própria, se sentem autorizadas à violência.

A escalada da violência institucional e civil no país nos últimos anos está ligada diretamente à postura do presidente da república, que se diverte com assasinatos brutais e que faz piada com o sofrimento de quem perdeu familiares e pessoas queridas para uma doença cujos efeitos teriam sido muito menos devastadores se o (des)governo adotasse uma política eficaz de combate e não a estratégia de sabotagem praticada por Bolsonaro e os seus generais. Mas o que se poderia esperar de um homem que disse que não estupraria uma colega porque ela não merecia?; que disse que preferia ter um filho morto a um filho gay?; que disse que a filha nasceu de uma fraquejada?; que disse que o erro dos militares foi terem matado pouca gente?; que, perguntado sobre as pessoas mortas pela Covid, limitou-se a dizer que não era coveiro? Desta pessoa, que o melhor dicionário não me apresenta adjetivo para qualificar, não se pode esperar nada, a não ser sadismo, crueldade e violência. Mas eu posso esperar que o eleitorado de 2018, paradoxalmente iludido pelo não cumprimento das promessas de campanha, não cometa o mesmo crime quatro anos depois. Sim, porque o voto em Bolsonaro não tem outro nome que não seja crime. Se ao eleitorado de Bolsonaro no último pleito pode se conceder o benefício de ter sido responsável apenas indireto pelos crimes que ele cometeria nos próximos quatro anos, neste 2022, quem votar neste facínora passará a condição de coautor. E não terá o perdão da história.

Imagem de destaque editada pelo autor a partir de original copiada de: https://www.apostagem.com.br/2021/10/01/bolsonaro-usou-crianca-para-fazer-apologia-a-violencia-e-violou-o-eca/. Acesso em: 31 de maio 2022.

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Foda-se! A culpa é do Camões

No sábado passado ocorreu o 113.074.825º caso isolado de racismo no futebol brasileiro. Talvez algum tenha passado esquecido, então o número pode não ser exato, mas são casos isolados (não esqueçamos que desde os anos de 1930 sabe-se que aqui vivemos no paraíso da democracia racial).

Caralho e macaco têm de semelhança fonética apenas o fato de serem paroxítonas, como a maioria das palavras usadas pelo português brasileiro oficializado: ca-rá-lho – ma-cá-co. Se alguém diz foda-se, caralho, eu posso facilmente entender foda-se, carvalho e até foda-se, baralho, mas se no meio do caminho o caralho virar macaco alguma coisa está errada com o meu aparelho auditivo. Ninguém vai preso por dizer caralho. Pelo menos não só por isso. E aqui começa de verdade o problema, porque também quase ninguém vai preso por chamar outra pessoa de macaco. É sempre em tom de brincadeira ou algo dito no calor do momento. Se a coisa for adiante, a criatividade linguística do povo braZileiro resolve com um divertido mi-mi-mi (mi mi mi, talvez?).

Recordemos alguns fatos, sem precisar viajar no tempo, até a Liga da Canela Preta, por exemplo. Vamos ficar no século 21 mesmo. Antes, porém, aviso que não vou citar nomes, porque o tipo de gente que naturaliza o racismo é o mesmo que adora processar quem se insurge contra ele. Vamos lá.

Certa feita, o presidente de um clube de futebol porto-alegrense se defendeu de acusações de racismo dizendo que a sua empregada era negra; houve também o caso de um dirigente de outro – ênfase na palavra outro – clube de futebol de Porto Alegre que queria substituir o mascote histórico deste clube, por achar que aquela figura, recolhida do mais legítimo folclore brasileiro, fazia alusão ao uso de drogas e passava uma imagem de perdedor – a palavra é esta mesmo, perdedor – por não ter uma perna; recentemente, em reunião do Conselho Deliberativo de um clube de futebol da capital, que não digo ser um ou o outro, um importante conselheiro, que viria a ocupar cargo na gestão, manifestou-se com expressões de forte cunho racista, como “época negra” para falar de um tempo sem vitórias, e por aí afora. Confrontado pelo chat da reunião, que se realizava na modalidade virtual, fez pouco caso, tratando isso como mimimi (aqui uma terceira forma gráfica da expressão).

No plano coletivo, e aqui não se fala em nomes, parte da torcida do Grêmio, tem o hábito de entoar cânticos racistas contra a torcida do Inter. Por seu lado, parte da torcida do Inter entoa cânticos homofóbicos contra a torcida do Grêmio. E sabem como isso historicamente foi tratado pela crônica esportiva gaúcha? Folclore, que, neste caso, a riqueza linguística brasileira aceita como um eufemismo para mimimi.

Em paralelo aos casos de racismo que têm ganhado as manchetes nos últimos tempos, e que graças ao trabalho magnífico de entidades como o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, estão se deslocando do campo do folclore para ganhar um debate mais sério, tivemos recentemente a notícia de um torcedor do Brasil de Pelotas que se viu envolvido em uma briga de torcidas, foi detido, junto com tantos outros, pela Brigada Militar, deixou o estádio em condições físicas muito boas e hoje luta pela vida numa UTI. O que houve no trajeto entre o estádio e o hospital é objeto de investigação, mas ouvi hoje pelo rádio uma entrevista com o advogado da vítima, que categoricamente atribuiu a culpa a policiais militares e disse, ainda, que este torcedor teria falado, quando ainda estava consciente, em alerta às outras pessoas detidas, palavras mais ou menos como “Se me matarem vocês sabem quem foi”.

Esses fatos mostram uma vez mais que a violência, o racismo e a homofobia são naturalizados no futebol. Entretanto, o problema é bem maior, porque a violência, o racismo e a homofobia na sociedade estão não só naturalizados como, de certa forma, institucionalizados pela plataforma nazifascista que assumiu o poder em 2019. Bolsonaro e sua família estimulam esses comportamentos a todo momento e isso faz com que a massa descerebrada de seus seguidores se entenda no direito de fazer o mesmo. E isso acontece com a conivência, quando não com a participação ativa de pessoas que deveriam atuar no lado contrário. Em tempos em que o STF proíbe a criação de dossiês antifascistas ordenados por Bolsonaro – e isso é grave, porque atesta que eles existem e certamente vão continuar a ser produzidos ao arrepio das decisões dos/das neocomunistas da Corte -, já que estamos falando de futebol, ou de coisas que envolvem o futebol, não custa lembrar que homens de escol de um clube da capital se reuniram há uns três anos, para, entre vinhos e cervejas importadas e generosos nacos de filé num restaurante tradicional da cidade, estabelecerem estratégias de perseguição a torcedores e torcedoras deste clube que se declaravam antifascistas e realizavam ações de combate a essas práticas. Esses macartistas continuam dando as cartas no tal clube.

Tudo isso leva a uma constatação: o racismo, a homofobia e tantas outras formas de discriminação estão na estrutura social do país e não é lançando notas e manifestos, ditando decisões judiciais que não terão nenhum efeito prático, enfim, não é jogando para a torcida, para ficar no jargão futebolístico, que as coisas vão mudar. É preciso uma tomada de consciência por parte da sociedade no sentido de que é necessária uma varredura – para a lata do lixo e não para debaixo do tapete – de toda essa escória desumana que comanda o país e é tolerada, senão apoiada, por quem representa a sociedade em outras esferas, como no âmbito do futebol, que, como já se disse, das coisas menos importantes é a mais importante. Se não aproveitarmos os fatos lamentáveis que estão sendo noticiados diariamente para virar o jogo e recolocar o país no lado certo da estrada, vamos homologar a falência da sociedade humana. Ou talvez possamos simplesmente percorrer os escritos de Camões para ver que palavra ele usaria para expressar o mimimi.

Imagem de destaque: acervo do autor.

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Guerras: escolha a sua

Os olhos do planeta se voltam para o leste da Europa. A guerra está deflagrada! Mas será que esta com que os noticiários ocupam 80 por cento ou mais do seu tempo é a única? Ainda, será que ela é a mais importante e a que tem efeitos mais imediatos e impactantes na nossa vida? Não quero nem entrar na questão das guerras que acontecem ininterruptamente há décadas em países africanos e que o ocidente libertador solenemente ignora. Nessas também se disputa fornecimento de energia ou exploração de minérios, mas seus protagonistas são de outra cor e não têm os olhos claros, então não despertam interesses humanitários das ONUs, OTANs e outras organizações do mundo livre, civilizado (e civilizador) e democrático. Eu quero mesmo é falar das guerras que travamos todos os dias, nas periferias das nossas cidades, e que eventualmente ocupam a pauta da grande mídia por terem chegado nas zonas nobres. Vamos ver o que há nisso.

Enquanto a guerra de Putin contra o mundo de bem (coletivo de cidadão de bem) se travava no discurso, um homem negro era espancado até a morte na beira de uma praia chique do Rio; em algum outro lugar, outro homem negro era assassinado por um militar que o confundiu com um assaltante; em outra praia, uma mulher é algemada com a sua amiga e levada à delegacia por ter ousado ficar com os peitos desnudos; em um estado do sul, um adolescente negro é suspeito de assaltar um supermercado, mesmo depois de ter confirmado com os seguranças se podia entrar com a sua mochila; em alguma periferia de alguma cidade, uma bala perdida encontra seu alvo no corpo de uma criança negra e um homem negro é fuzilado pela polícia dentro do seu carro, por que suspeitaram que ele tivesse roubado o veículo; uma mulher é brutalmente violentada e espancada pelo marido, uma menina de 5 anos é abusada pelo próprio pai, uma professora de uma escola tradicional é violentamente atacada nas redes sociais por falar em educação sexual com os seus alunos e alunas, um casal gay é atacado por neonazistas evangélicos…Acho que deu, né? Já tem guerra suficiente pra todo mundo por aqui também.

Imagem copiada de: https://www.oantagonista.com/brasil/moro-se-reune-com-temer/. Acesso em: 1º de mar 2022.

Mas vamos à guerra com o maior potencial destrutivo que está em curso. O Jornal Nacional ocupa o espaço que lhe sobra na narrativa antirrussa batendo em Bolsonaro por cima e por baixo. E, no intervalo, o agro é pop! O desaparecido Chicago Boy andou aparecendo na tela, com ótimas projeções para a economia nacional no pós-pandemia (quando será esse pós?). E a editoria do jornal, de forma (nem tão) sutil, começou a delimitar o que era ruim nos governos petistas, passou a ser bom em 2016 e voltou a ser ruim depois que Bolsonaro deixou de cumprir o que fora programado. Os dois anos do governo golpista foram, de acordo com o que se noticia, uma maravilha. E Bolsonaro estragou tudo ao conferir a si próprio uma autonomia inaceitável. Enquanto essa imagem se constrói veladamente no noticioso diário, a plataforma on demand lança uma série que requenta o Caso Celso Daniel.

Sobre isso, é legal uma atenção especial. Um querido amigo, meu compadre, muito antenado nas questões políticas e ávido consumidor de séries, disse que esta é muito bem feita e que afasta qualquer responsabilidade do PT pela morte do ex-prefeito de Santo André, ocorrida há 20 anos. Coisa que a Justiça já havia feito há bastante tempo, diga-se. Pois é sabido que vivemos tempos de imediatismo, em que as pessoas leem manchetes e saem deitando teses redes afora. Textos cuja leitura demande mais de 3 minutos, o tempo determinado para o sucesso comercial de uma canção pop nos anos 60, são descartados de forma arbitrária e implacável, mesmo que indiquem alguma possibilidade de terem sido bem escritos. Nesse mundo frenético, quem tem tempo de assistir com atenção e capacidade crítica a séries documentais? Um número restrito de pessoas, das que assistem séries, e que é ainda mais restrito em relação ao colégio eleitoral das próximas eleições, formado em sua maioria por pessoas que não têm a menor possibilidade de pagar pacotes de streaming, isso quando têm aparelhos de TV. Talvez se o meu compadre fizer um teste com essas pessoas e perguntar o que elas sabem sobre o caso Celso Daniel, muitas delas vão dizer que ele foi vítima de queima de arquivo do PT. E como elas não vão ver a série, muito menos ler bons textos sobre o tema, não saberão a verdade e ficarão com a mensagem subliminar (a Semiologia e a Linguística explicam) do nome Celso Daniel na cabeça. Então os processos mentais vão recorrer a informações prévias, arquivadas em algum lugar da cabeça, que dirão: Lula é o culpado! Está feita a narrativa e, assim, chegamos finalmente à pior das guerras, a das narrativas.

Imagem copiada de: https://marciokenobi.wordpress.com/tag/partido-da-imprensa-golpista/. Acesso em 28 de fev. 2022.

A partir dessa guerra suja de narrativas criadas ao sabor dos interesses das elites, e que incluem doses cavalares de notícias falsas (denominação antiga e em franco desuso para fake news), se delinearão as pesquisas de intenção de votos do Datafolha e outros. Com isso, a chance de permanecermos nessa marcha acelerada rumo à aniquilação das classes desfavorecidas do país cresce assustadoramente. E essa aniquilação tende a ocorrer muito antes do que o potencial bélico russo destrua o mundo civilizado. Por isso, é mais do que hora de pensarmos sobre que guerra devemos centrar nossa atenção. Não que a eventual terceira guerra mundial não tenha importância, longe disso, tem e muita. E é uma tragédia, como (quase) todas as guerras. Mas temos nossas guerras domésticas, que são diárias e nos impactam de forma muito mais imediata. E não são noticiadas. Quando o são, isso ocorre de forma distorcida e manipulada para embotar a visão da realidade e formar uma ideia míope que vai se refletir nas urnas. É hora, então, de segurarmos um pouquinho o desejo quase irrefreável de nos tornarmos autoridades em geopolítica e nos preocuparmos com a nossa realidade doméstica, que se não tem o glamour e o status de uma guerra nuclear, pode colocar em risco a subsistência de milhões de pessoas que vivem neste braZil nazifascista do bolsonarismo.

Imagem copiada de: https://ptnacamara.org.br/portal/2020/09/02/a-corrupcao-da-familia-bolsonaro/. Acesso em 28 de fev. 2022.

Você decide: qual a sua guerra?

*Imagem de destaque copiada de: https://domtotal.com/fato-em-foco/605/2020/07/violencia-policial-blindada-pela-impunidade/. Acesso em: 28 de fev. 2022.

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Top less na areia… dando cadeia

Num dia como hoje em 1980, um juiz, Manuel Moralles, determinou que na cidade de Sorocaba estavam proibidos os beijos. A população respondeu transformando a cidade num grande beijódromo. Quem nos conta isso é o Eduardo Galeano, n’Os Filhos dos Dias.

O fato ocorreu há mais de 40 anos, quando os generais já davam mostras de estarem querendo largar o osso (ou não). Passadas 4 décadas e um processo de reabertura democrática, seguido de alguns golpes e um retrocesso de cores nazifascistas, uma mulher resolve fazer como os homens e praticar top less na praia. Em vez de virar sereia, como uma vez cantou a Marina, ela e a amiga que se solidarizou foram presas. Ah, não, elas não chegaram a ir em cana, então talvez dê pra dizer que elas foram apenas… detidas para averiguação. Mas foram algemadas uma ao pé da outra, afinal, perigosíssimas atentadoras da moral e dos bons costumes, poderiam se evadir dos agentes da lei (lei?) e continuar a praticar as atrocidades obscenas praia afora. Apenas mais uma informação interessante: a despudorada nudista foi namorada da atriz Camila Pitanga.

Que país é esse em que mulheres são algemadas e humilhadas publicamente por simplesmente fazer algo que, como se sabe, os homens fazem sem nenhum tipo de importunação desde sempre? Eu respondo: o país em que a ministra dos direitos humanos e da mulher diz que meninos vestem azul e meninas vestem rosa e, ainda, que a culpa por abusos, violências e estupros de meninas acontece porque elas não usam calcinha. É o mesmo país em que o Ministério Público do Trabalho resolve intensificar as investigações sobre os processos escravizatórios no trabalho informal depois de um homem africano negro ser espancado até a morte por ter ido cobrar diárias pelo trabalho que fazia na beira da praia. É o mesmo país em que outro homem, negro, é claro, é confundido com um ladrão e morto a tiros por um militar, este que deveria ser treinado para o uso de armas e situações de risco. É o mesmo país em que o presidente de uma fundação criada para implementar políticas voltadas para as pessoas negras, ele mesmo um negro, nega o racismo e os efeitos devastadores da escravidão no país. É o mesmo país em que um homem que tem um dos maiores torturadores da história como ídolo maior, diz que a linha dura, aquela mesma que proíbe o beijo, matou pouco, diz que uma presidenta da república tem que deixar o cargo nem que seja vitimada por um câncer, e que uma sua colega de parlamento não merece ser estuprada por ser muito feia, neste país este sujeito, que disse e fez isso e muito mais, chega à presidência da república. Ele que é o patriarca de uma família da qual se diz sejam os filhos criminosos e milicianos e cuja única filha nasceu, segundo o próprio de uma fraquejada sua. Precisa dizer mais?

O povo brasileiro tem algo em torno de 9 meses, mais ou menos o tempo de uma gestação humana, para decidir entre dar aval à marcha protofascista que se instalou no poder a partir do golpe de 2016, ou fazer uma tentativa de virar o jogo, mudando a direção na busca de uma verdadeira redemocratização e um tempo de maior justiça social. E, é bom lembrar, o bolsonarismo não depende de bolsonaro e a Rede Globo já noticiou com indisfarçada satisfação que o ex-presidente golpista Michel Temer está livre da acusação de corrupção que sofria por conta de uma ação infiltrada no meio da Lava Jato, a fim de comprovar que a operação comandada por Sérgio Moro, o juiz, não tinha partido. E por aqui, a sucursal global insere programetes diários o tempo todo exaltando as novas façanhas do governador gay que não se quer gay governador. Ou seja, enquanto pessoas negras são mortas brutalmente por qualquer razão e mulheres são presas, ops, detidas e algemadas por exercerem a mesma liberdade dos homens, uma nova dupla pode estar sendo construída para ser a tão sonhada terceira via da Rede Globo.

*Imagem de destaque copiada de: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/bolsonaro-o-gesto-da-arma-na-marcha-para-jesus-e-a-risada-cafajeste-dos-pastores-por-daniel-trevisan/. Acesso em: 8.2.2022.

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Política

Entre novas palavras e velhas práticas: os mitos e os vômitos da política braZileira

Bolsonaro nunca leu Guimarães Rosa. Desconfio que se alguém perguntar, o desgovernante vai achar que é algum general de que ele não se lembra. Se bem que, a considerar o amor que tem pelo homens de farda, ele, que foi incompetente até para uma carreira que não exige vocação além do apreço pela violência e o gosto pela submissão, deve saber o nome completo e o CPF de todos os oficiais do Império até hoje. Já Guimarães Rosa, que em suas andanças pelos sertões nunca se separava do seu caderninho de anotações, recolheu as falas do povo e as reproduziu, fundiu, criou, inventou novas palavras, fez o povo brasileiro se reconhecer nos seus contos e romances. Chegou a um nível de brasilidade tão puro na voz de seus personagens que obrigou o seu tradutor alemão a verdadeiros malabarismos linguísticos, a ponto de responder deste jeito a uma pergunta sobre as inovações que imprimiu ao verter Grande Sertão: Veredas para o idioma de Thomas Mann: “O senhor já viu algum centroavante alemão fazer gol de bicicleta?”

A riqueza cultural da obra rosiana é um tema apaixonante, mas vou deixar pra outra hora falar sobre o simbolismo de “nonada”. Hoje o assunto é “motociata”, palavra nova que não foi criada pelo grande escritor e muito menos por Bolsonaro, claro que não. Este semianalfabeto se atrapalha com o parco léxico que as suas limitadas sinapses conseguem manipular, que dirá criar alguma coisa em língua. Pra dizer bem a verdade, pouco me importa descobrir de onde saiu a tal motociata, a palavra, mas quero olhar para o que esta que passou por Porto Alegre no sábado passado foi e, principalmente, para o que ela representa na atual conjuntura. Houve rede de mídia que anunciou um milhão de motos na procissão da morte bolsonarista. Mas ridículo que se mantém no ridículo e caga pra isso, só o próprio presidente fascista. Desmentiram a “notícia” logo em seguida. A propósito de cagar, disse o genocida dia desses que caga pra CPI. Comparável à paixão pelo fuzil, a fixação deste sujeito por merda é tanta que ele não passa um dia, sequer algumas horas sem fazer uma.

As fotos e vídeos divulgadas mostram que de fato muita gente participou do passeio do séquito bolsonarista pela ruas de Porto Alegre, o que comprova que, a despeito do que dizem seus algozes da mafiomídia nas pesquisas recentemente divulgadas, o bolsonarismo ainda vive e está forte. Chego a pensar se a artilharia da Rede Goebbels, ops, Globo, e suas parceiras de consórcio não se enquadram num grande tour de force de desinformação, com o objetivo de desarticular as forças de resistência. Plano que inclui a produção em ritmo industrial de escândalos por parte do (des)governo e que passou, antes da eleição, pela feicada (neologismos, enfim…) que, segundo Renan Calheiros, resultou na costura do intestino à garganta do Messias. Aliás, a que nível triste descemos quando Renan Calheiros vira referência. Delírios conspiratórios? Talvez, o que não chega a ser estranho no país do terraplanismo.

Voltando aos motociclistas do inferno, que são muito mais perigosos que os de Altamont , nas primeiras filas eles cavalgavam máquinas que consomem mais gasolina (a mais de 6 reais!) que um Opalão 6 cilindros, como me disse um amigo no sábado. É significativo que a comissão de frente desse entrudo mórbido apresente Ninjas e Hayabusas de ronco forte e acelerador nervoso. Essas motos não estão ao alcance do povo que sofre a plataforma genocida do governo bolsonaro, então ainda se pode entender porque estavam lá. Entretanto, é paradoxal que se vejam algumas desavergonhadas Titans e Factores, poucas, é verdade, mas algumas até com os baús de tele-entrega, em geral cobertos pela bandeira da ordem e do progresso. Isso escancara uma faceta burra da classe mé(r)dia, que se vê afundar na lama chafurdada pela familícia imperial, mas continua sorrindo à semelhança de hienas que se contentam com a carniça, porque o que importa mesmo é a reprodução em loop do discurso da queda o PT.

Por outro lado, dias atrás Eduardo Leite rompeu com o bolsonarismo. Ou isso ou ele é tão demente quanto o líder messiânico que apoiou em 2018. Só que ontem o recém assumido membro da comunidade LGBTQIA+ mandou um recado a quem achou linda a sua saída do armário no palco global, inclusive, e talvez principalmente, para a parte da Esquerda que aplaudiu entusiasticamente o anúncio. Ao justificar a truculência da sua brigada (não por acaso) militar, ele disse que a repressão atuou para garantir a ordem e a segurança de manifestantes de ambos os lados. De ambos os lados, disse ele, mas quem acabou no camburão foi a perigosíssima terrorista que ameaçava mandar pelos ares a manifestação fascista com a sua letal… panela, que sequer era de pressão.¹ Era de baixa qualidade, então, a maquiagem humanitária do governador gay que não se quer gay governador.

Não se trata de desqualificar a importância da declaração de Leite. Mas por que antes ele escondia essa condição, que até negou durante a campanha que o elegeu governador? E por que agora que decidiu abrir o coração na Globo, fez questão de inverter a subjetividade que o constitui ao dizer que é “um governador gay e não um gay governador”? Não é preciso ser conhecedor da obra de Umberto Eco ou versado em semiologia para perceber que governador gay e gay governador são coisas diferentes. O discurso aponta para uma ideia que diz: “Olha, sou gay, mas o povo hétero pode votar em mim também, tá?”, porque ficou muito claro que ele não tem nenhuma intenção de assumir a luta de resistência das causas humanitárias e que o seu anúncio feito em rede nazional, ops, nacional, após uma chamada que já o colocava como terceira via na sucessão presidencial, foi um ato oportunista, um balão de ensaio na luta da grande rede para encontrar o seu candidato. E por falar em semiótica, parece que tem tudo a ver essa conversa de terceira via colada a um possível candidato gay (mas nunca um gay candidato).

Com tudo isso, neologismos à parte, a política brazilis continua sendo definida em esquemas e tenebrosas transações (Salve, Chico!) feitas ao arrepio dos interesses do povo. Povo que tem que decidir entre cavalgar, ou melhor, pilotar em marcha acelerada rumo ao horizonte finito da terra plana ou retomar o rumo da sua própria história, interrompido pelo golpe parlamentar de 2016. E para os seguidores de Bolsonaro, a dica é já ir pensando no próximo messias. Dizem que a saúde do mito anda meio fraca. Andou passando mal na serra, soluçando, vomitando. Viver é muito perigoso…

Imagem copiada de https://bcharts.com.br/

¹https://sul21.com.br/noticias/geral/2021/07/mulher-e-presa-apos-protestar-contra-motociata-de-bolsonaro-em-porto-alegre/

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Política

Quem avisa, amigo (não) é

Os serviços e as pessoas que trabalham na prevenção ao suicídio têm como certo que quem pretende abreviar a própria vida não faz isso sem antes ter dado vários sinais. Muitas vezes esses avisos são explícitos, porém às vezes aparecem como mensagens cifradas. Fechar os olhos é uma estratégia perigosa. Claro que é natural que ninguém acredite que isso possa acontecer com uma pessoa da família ou das amizades e a negação acaba muitas vezes sendo uma estratégia interna e inconsciente de defesa. Até que um dia acontece, e aí o sentimento de culpa é inevitável. Então, para se evitar o remorso, e principalmente para se evitar o desfecho trágico da perda de uma vida, é preciso ter sempre atenção aos sinais.

Sinais são o que mais temos visto no Brasil nos últimos tempos. Mas se olharmos com um pouquinho mais de atenção, veremos que eles estão sendo emitidos há bastante tempo. E de forma clara e direta. Ao usar a tribuna do Congresso para prestar homenagem a um dos maiores criminosos já nascidos no Brasil, num dos momentos mais graves da nossa história, Bolsonaro escancarou ao mundo o que algumas pessoas mais atentas e interessadas no debate político já sabiam acerca da sua personalidade. Ali foi talvez o mais contundente recado até então, eis que transmitido para uma audiência gigantesca, espalhada pelo mundo. Antes disso, como se sabe, Bolsonaro era um parlamentar apagado, que de vez em quando ganhava algum holofote de passagem, exatamente por dizer alguma atrocidade com algum potencial de polêmica. Naquele dia, porém, a frequência do sinal foi muito bem captada pelas antenas de quem desejava a todo custo frear o avanço progressista no país e já não admitia mais a possibilidade de queimar cartucho com Aécios e outros quetais. A partir de então, foi relativamente fácil o trabalho de criar uma caixa de ressonância para esse discurso virulento, que clama por segurança e conclama à reação, que não pode vir por outra forma que não seja materializada na mais pesada violência, tão ao agrado da classe média brasileira, esta que a Marilena Chauí tanto critica.

Nesse contexto, é um equívoco dizer que o antipetismo elegeu Bolsonaro. A repulsa ao PT e a tudo o que ele representa na história recente do país foi um componente importante, sem dúvida. Muito menos pela necessidade de exterminar as práticas de corrupção, conforme a narrativa habilmente construída pelas elites, do que pelo perigoso empoderamento que os segmentos desfavorecidos da população vinham ganhando nos governos de plataforma com inclinações socializantes. Mas fundamentalmente o que elegeu Bolsonaro, na verdade, foi o ódio, já que havia uma espécie de “caminho do meio”, com outras candidaturas à direita, que foram preteridas em favor do extremismo nazi-fascista. (Mais sobre o assunto aqui.*).

Para evidenciar o cumprimento da plataforma apresentada pelos Bolsonaros desde antes da campanha eleitoral à presidência, seria desnecessário listar os momentos em que o presidente e seu pequeno (mas barulhento) exército de filhos raivosos ameaçou a frágil estabilidade democrática do país. Hoje se vê que é preciso um pouco mais do que um cabo e um soldado para derrubar a Corte Suprema, mas o recado já havia sido dado e o generalato está aí para dar força à tropa. E esta é justamente a novidade recente. A retórica bolsonarista começou a ser empregada também abertamente por aqueles que são realmente os que podem sustentar um golpe. A recente manifestação do General Heleno no caso do celular presidencial foi um recado direto e em letras de manchete. Ainda não se sabe muito bem se foi uma voz isolada na caserna ou se a sua resposta foi trabalhada e concebida pelo grupo militar que está cada vez mais presente no governo. Não se pode ter dúvida, porém, que não foi uma manifestação intempestiva, precipitada e/ou promovida por desinformação do militar acerca dos procedimentos judiciais. Não, ninguém chega ao posto máximo do Exército e assume o mais importante cargo da república na área da segurança sendo desinformado. O Chefe do Gabinete de Segurança Institucional sabia muito o que estava fazendo e a forma como a mensagem seria compreendida pelos destinatários.

Por outro lado, alguns recados não são tão diretos quanto a nota emitida pelo GSI ou a manifestação do filho zero dois quando fala da relação entre “se” e “quando”. Podem simplesmente ser colocados estrategicamente em meio a uma conversa de tom aparentemente menos agressivo. Bolsonaro falou numa live sobre a possibilidade de “desaparecimento” de um terceiro ministro do STF ainda durante o seu mandato. Dois sairão pela compulsória, mas teoricamente os/as nove restantes sobreviverão à gestão bolsonaro. Todavia, para acomodar o homem mais poderoso da república neste momento, o presidente se sente autorizado a sugerir o surgimento de uma terceira vaga na Corte ainda durante a sua gestão, o que possibilitaria a nomeação do atual Procurador-Geral da República ao cargo vitalício de Ministro. Este recado certamente foi muito bem compreendido pelo Chefe do Ministério Público e agora ele, que tem nas mãos a possibilidade de apertar de forma muito grave o cerco em torno da família presidencial e seu séquito, vislumbra com nitidez a possibilidade de ser presentado com um cargo no Supremo, caso algum ministro (ou ministra) “desapareça” nos próximos dois anos. É claro que nessa conversa sinistra e nada republicana, não se pode desconsiderar a possibilidade de uma manobra bolsonarista para não comprometer o plano de neutralizar a ação do PGR, tornando pública a sua intenção antes do tempo. Isso porque talvez nem seja preciso abrir uma vaga imprevista para que o seu potencial algoz seja “promovido” na carreira. O escolhido original para a primeira vaga, cabo eleitoral de primeira hora, virou desafeto, logo, saiu da disputa. Será verdade que ainda sobram três possibilidades de nomes na disputa pelas duas vagas já prestes a abrir, como Bolsonaro falou? Ou uma dessas vagas já foi destinada ao PGR e a conversa da live foi apenas uma forma de tentar mascarar e desviar a atenção dessa tenebrosa negociação, cuja contrapartida por parte do chefe do MP é bastante evidente?

Os próximos movimentos do Procurador-Geral darão algumas pistas do que pode acontecer, mas o certo é que os sinais estão sendo emitidos, uns mais claros, outros mais velados, e, diante da quase inércia das instituições (notas e manifestos têm pouquíssimo efeito neste momento), é urgente que o povo assuma a frente do combate e entre com força na guerra, que já está posta e vai muito além do maniqueísmo retórico de disputa entre Esquerda e Direita. Se as manifestações de rua não são recomendadas no momento, não obstante já tenham começado a acontecer, é preciso que a população encontre formas de pressionar de maneira contundente e efetiva quem tem o poder de, apenas fazendo cumprir a Constituição Federal, barrar a cavalgada fascista, que mais cedo ou mais tarde pode dar (e dará) um passo decisivo, armando um “golpe por dentro”. Os avisos estão sendo dados a todo momento e, neste caso, quem avisa não é amigo.

*https://oximarraoalucinogeno.com/2018/10/29/hora-de-derrubar-mitos/

Imagem ilustrativa copiada de https://istoe.com.br/stf-investigara-ato-pro-intervencao-militar-do-qual-bolsonaro-participou/, em 1º/6/2020

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