bolsonarismo, Política

O messias e o bispo: uma fábula braZileira

Em 20 de setembro é difícil pensar em discutir outro assunto que não seja a esfarrapada farsa farroupilha. Mas o estranho mundo de Bolsonaro não dá trégua. Tem ainda os desdobramentos do sete e principalmente do nove de setembro; tem a bomba de fumaça do momento, promovida pelo Ministério da Saúde; tem tanta coisa. Sobre bombas de fumaça, a propósito, é uma facilidade enorme para este (des)governo produzi-las. Pegue-se como exemplo esta da liberação de vacinas para adolescentes e a posterior desautorização. É o assunto principal da grande mídia – e até da mídia alternativa -, das redes, dos postos de saúde, dos bares. É evidente que se trata de diversionismo puro, mas dada a inépcia de todos os setores do Executivo Federal, há boas razões para quem não acompanha de perto as movimentações políticas achar que se trata de uma esculhambação genuína. Não deixa de ser esculhambação, mas é uma esculhambação programada e apropriada para criar assuntos que se desviem e desviem os olhares do que realmente interessa. Nesse sentido, talvez a frase que melhor defina o governo bolsonaro tenha sido dita pelo ex-ministro do meio ambiente: “Enquanto isso, vamos passando a boiada”.

Por ora, deixo essas manobras diversionistas em espera e os assuntos da data magna do Continente de São Pedro para o Mário Maestri e o Juremir Machado, que têm trabalhos esclarecedores nessa área, e me ocupo de outra farsa, coincidentemente envolvendo arma branca, que, como se sabe, é um fetiche da gauchada.

Na semana passada, a TV 247 lançou o documentário “Bolsonaro e Adélio – Uma facada no coração do Brasil”, dirigido por Joaquim de Carvalho e Max Alvim, que pode, ou melhor, deve ser assistido aqui: https://www.youtube.com/watch?v=vOcBT2js54U&ab_channel=TV247. É um documento jornalístico extraordinário, de valor inestimável para quem quer entender o braZil do bolsonarismo. E todo o povo deveria ter esse interesse.

O filme é longo para as configurações de velocidade e urgência da sociedade moderna, mais de duas horas. Para ajudar, a Cristina Dornelles e eu fizemos uma versão compacta, que, a bem da verdade, continua longa, quase uma hora, mas em função do volume de dados e da maneira como ele foi produzido, indo direto aos pontos importantes, é impossível sintetizar ainda mais. Ao final deste texto coloco uma espécie de índice que fizemos para melhor acompanhamento da versão integral.

O documentário apresenta com uma riqueza de detalhes contundente as provas que tudo foi uma grande armação com vistas a criar um mito. E mitos dificilmente perdem eleições. E assim foi. A história política do Brasil parece estar sempre às voltas com um tipo de sebastianismo tardio, que procura um homem – e aqui a palavra homem não é usada no seu sentido genérico – que se responsabilize por fazer tudo aquilo que cabe, na verdade, ao conjunto das forças sociais realizar. Numa sociedade ideal, o governo é apenas o mediador dos conflitos sociais e o executor das políticas construídas pelas comunidades. Aqui não, estamos sempre transferindo esse papel e delegando poderes. Pelo menos desde Getúlio isso é muito claro, com um hiato a partir de 64, período que reproduz outro tipo de história e, portanto, demanda outro tipo de análise. Mas logo ao fim do regime inaugurado pelo Golpe de Primeiro de Abril, uma velha raposa mineira, presente na cena desde o Estado Novo, trouxe novamente a figura messiânica à ordem do dia. A partir daí vieram o Caçador de Marajás, o pai do Real e Lula, todos com a capacidade de avocar a imagem do salvador da pátria, afinal, governo após governo sempre há uma pátria a ser salva. Dilma também foi outro caso, porque foi eleita na esteira das políticas de bom resultado social dos governos Lula. O patriarcado e as elites aguentaram a duras penas e com farta produção de noticias falsas e distorcidas um mandato de uma presidenta altamente capaz no aspecto técnico, mas com algumas dificuldades no traquejo político. Assim, já na largada do segundo governo estava definido o golpe, com Supremo e tudo, que interrompeu abruptamente a caminhada (menos rápida do que seria ideal, diga-se) rumo a um equilíbrio das esferas sociais.

Esta rápida digressão é necessária para amarrar a corda que liga a retirada violenta e ilegítima de Dilma do governo aos eventos de Juiz de Fora. Neste segundo momento, as forças de resistência haviam conseguido um nível mínimo de rearticulação em cima de um governo absolutamente antipopular de Temer e da farsa (mais uma) da Lava Jato. E a agenda fascista capitaneada por Bolsonaro não estava garantida, porque do outro lado, Ciro Gomes à parte, a Esquerda parecia ter alcançado um bom conjunto, unindo Haddad, que supria o requisitos de cultura e formação acadêmica, além de ter um histórico de boas administrações em São Paulo e no Ministério da Educação, e Manuela, mulher, jovem, mas com uma estrada política respeitável, associada a lutas sociais importantes, como a emancipação feminina e as causas LGBTQIA+. Do outro lado, Bolsonaro tinha o antipetismo e um discurso que agradava às classes médias que se acham altas, principalmente no que diz respeito à segurança e à luta anticorrupção. Mas depois de 3 governos e meio, o risco de consolidação de uma plataforma política voltada para as questões sociais era muito alto e tudo deveria ser feito para romper essa trajetória do país. A possibilidade da eleição se encerrar no primeiro turno era bastante remota, Ciro Gomes à parte. E o risco de Bolsonaro botar tudo a perder em um único debate no segundo turno era muito grande. Por isso, nunca um câncer foi tão celebrado. A necessidade de uma intervenção cirúrgica caiu como uma luva para a articulação da farsa, que contou com a ajudinha de um gênio do mal, Steve Bannon, e sua versão braZileira, Olavo de Carvalho. O que aconteceu a partir daí está explicado, sem economia de detalhes sórdidos, no documentário. O que posso dizer para finalizar por ora é: ASSISTAM!

O índice abaixo tem a intenção de facilitar o acesso aos pontos que consideramos mais claros, mas é importante que o documentário seja assistido integralmente e com muita atenção, preferencialmente mais de uma vez:

00h02m58s – Gustavo Bebbiano fala no programa Roda Viva sobre a ausência do chefe de segurança e a presença de Carlos Bolsonaro no carro de Jair Bolsonaro até Juiz de Fora, e dos alertas sobre os riscos do não uso do colete à prova de balas

00h05m36s – Apresentação de “seguranças voluntários” no local da primeira visita de Bolsonaro, um hospital de combate ao câncer mantido por mulheres, incluído no roteiro para melhorar a imagem dele com o público feminino. Bolsonaro já recebia proteção da Polícia Federal (PF) por ser candidato

00h09m08s – Opção voluntária de não usar colete à prova de balas e uso de camiseta especialmente preparada para o evento

00h10m10s – Imagens do almoço no hotel Trade encontradas no celular de Adélio Bispo

00h12m13s – Ataques ao PSOL e PCdoB já na primeira entrevista coletiva de Bolsonaro

00h13m32s – Culto evangélico em que Bolsonaro recebe benção para proteger de doença no estômago e relato de problemas semelhantes acontecidos anteriormente

00h14m39s – Presença do médico Paulo Gonçalves, da Santa Casa, que atenderia Bolsonaro após a facada, no discurso que ele faz aos apoiadores na sede do hotel. Bolsonaro não fica no hotel para almoçar

00h18m49s – Adélio anda em atitude suspeita, vestindo uma jaqueta preta mesmo com o calor que fazia no dia, atrás do carro onde Bolsonaro discursava, portando um jornal em que supostamente estava enrolada a faca, sem ser importunado pelos seguranças, e Carlos evita o contato com ele. Em entrevista à Leda Nagle, Carlos descreve a cena e diz que Adélio esteve com ele no Clube de Tiro .38, em Florianópolis. Aqui é interessante observar que o documentarista diz que a imagem é rara, então como é que Carlos Bolsonaro a viu e descreveu os fatos na entrevista?

00h22m14s – Pensão em que Adélio se hospedou em Juiz de Fora, cuja dona morreu algum tempo depois do fato. Adélio pagou a estada adiantado e em dinheiro e tinha registrado em seu celular o roteiro de Bolsonaro na cidade, inclusive a visita a uma Fundação que não constava do programa da visita

00h25m16s – Tentativa frustrada de Adélio contra Bolsonaro. Bolsonaro toca a mão de um homem na multidão e este faz uma espécie de contagem regressiva, após o que Adélio investe ostensivamente contra Bolsonaro, em frente aos seguranças, que nada fazem para impedi-lo

00h27m30s – Adélio interage com os seguranças após a tentativa frustrada e logo em seguida há uma troca de sinais entre Bolsonaro e um dos seguranças. Um homem adverte Adélio dizendo para que tenha paciência e dizendo “calma, cara, agora não dá”

00h28m58s – Diretor da Associação Comercial, Guilherme Duarte, retira o presidente da Associação da cena onde ocorreria logo em seguida a suposta facada. Duarte, que organizou o evento juntamente com Marcelo Álvaro Antônio, diz que vai conversar com a reportagem, mas depois recua da decisão e não fala mais.

00h30m26s – Equipe do documentário é ameaçada pela polícia

00h32m18s – Fotógrafo Felipe Couri, que registrava toda a movimentação, foi distraído nos instantes cruciais e não conseguiu tirar as fotos do momento da “facada”

00h34m51s – Em vez de conter Adélio, os seguranças fazem a sua proteção para que não seja linchado pela multidão

00h36m19s – Bolsonaro é levado para uma pastelaria para receber atendimento, mas não estava inconsciente e nem aparentava qualquer tido de sofrimento, de acordo com um funcionário da pastelaria, que ainda diz não ter restado nenhum resquício de sangue no local

00h36m59s – Sem esperar por uma ambulância, Bolsonaro é levado sem o menor cuidado para o carro que o levaria à Santa Casa

00h37m27s – Um segurança da confiança de Bolsonaro faz uma espécie de sinal quando ele é levado para o carro

00h41m01s – Hospital Albert Einstein se recusa a apresentar o prontuário médico à PF; AE atendeu Queiroz, que pagou pelos procedimentos em dinheiro vivo; Antônio Macedo, ONCOLOGISTA que realizou a cirurgia em Bolsonaro, rompeu com o AE e passou a atender no hospital que Bolsonaro frequenta atualmente

00h43m20s – Cicatriz da “facada” aparece em local diferente

00h47m07s – A faca é encontrada por um policial, Renato, e entregue a um vendedor de frutas, que se recusa a falar sobre o assunto

00h50m45s – Entrevista de Renato, segurança que achou a faca

00h55m20s – Momento da suposta facada: Adélio não está em posição possível para introduzir 15cm da faca no corpo de Bolsonaro

00h56m28s – Entrevista com esposa de Marcelo Bormevet, policial que organizou a segurança privada

00h57m25s – Esposa de Hugo, segurança que imobilizou Adélio e posteriormente morreu de infarto, diz que não fala mais

00h58m55s – Participação de Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro

01h00m01s – Entrevista com Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que foi o primeiro advogado de Adélio e atualmente é seu curador; manobras da defesa de Adélio para favorecer Bolsonaro

01h05m38s – Entrevista com a irmã de Adélio, que sequer sabe se ele está vivo

01h14m21s – Adélio fez curso no clube de tiro .38, mas a porta-voz do clube nega

01h19m08s – Publicação do facebook do clube de tiro .38 no dia da suposta facada

01h19m15s – Promoções dos seguranças de Bolsonaro, apesar das falhas no dia da “facada”

01h21m55s – Bebbiano fala no Roda Viva sobre a influência de Carlos Bolsonaro

01h24m51s – Facebook de Adélio é desativado apesar dele estar preso

01h29m19s – Postagem de Carlos Bolsonaro no facebook sobre atentado contra Donald Trump antes da eleição estadunidense de 2016

01h32m12s – Militância de Adélio na Direita

01h34m21s – Narrativas criadas para ligar Adélio à Esquerda

01h35m04s – Paulo Marinho fala de visita que fez a Bolsonaro no Albert Einstein

01h36m27s – Steve Bannon antecipa que Bolsonaro sofrerá um atentado e Joice Hasselmann diz que o próprio Bolsonaro falou em levar uma facada

01h37m24s – Camiseta usada por Bolsonaro desapareceu

*Imagem de destaque copiada de: <https://brasilagora.net.br/bolsonaro-gargalha-ao-saber-que-kassio-nunes-vai-analisar-pedido-de-impeachment-de-alexandre-de-moraes-veja-video/&gt;. Acesso em: 21 de set. 2021.

Padrão
bolsonarismo, Capitalismo, Política

Entre tapas e beijos, a roda da economia gira

Em tempos de séries sobre tudo, ainda há espaço para os filmes? Acho que sim, sempre haverá. Um filme dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Leonardo DiCaprio, por exemplo, é um filme que deve ser visto. Na pior das hipóteses será um filme bem feito. Sugiro, então, O Lobo de Wall Street, de 2013, que permite que a gente comece a entender um pouco mais o funcionamento do mundo dos altos negócios.

Mudando de saco pra mala – pero no mucho -, vou transcrever um trecho de um livro que estou terminando de ler:

“Cerca de de dois meses depois disso, pedi ao senhor Hugh o privilégio de alugar meu tempo. (…) após alguma reflexão, ele me concedeu o privilégio e propôs os seguintes termos: eu teria todo o meu tempo para mim, faria todos os contratos com aqueles para quem eu trabalhasse e procuraria meu próprio trabalho; e, em retribuição por essa liberdade, eu deveria lhe pagar 3 dólares ao final de cada semana; arranjar-me com as ferramentas de calafetar e com pensão e roupas. (…) Chova ou faça sol, com ou sem trabalho, ao final de cada semana, o dinheiro deveria ser entregue, ou eu perderia meu privilégio. Esse acordo, será percebido, era decisivamente em favor de meu senhor. Aliviava-o de toda a necessidade de cuidar de mim. Seu dinheiro era certo. Ele receberia todos os benefícios de possuir um escravo sem seus ônus; enquanto eu suportaria todos os ônus de um escravo e sofreria todos os cuidados e ansiedades de um homem livre. Achei que era um negócio ruim. Mas, ruim como era, achei-o melhor do que o antigo método de me arranjar.”

O que está descrito acima aconteceu mais de um século e meio antes do advento da uberização da economia e é o relato feito por Frederick Douglass, no livro “Autobiografia de um escravo”, publicado este ano pela Editora Vestígio, cuja leitura é impactante, dada a riqueza com que o autobiografado detalha os seus tempos de escravidão, nos Estados Unidos do começo do século 19. Esta e outras passagens do livro acabam tratando por linhas diversas de questões da economia, do funcionamento do mercado, de como os interesses das elites econômicas determinam os acontecimentos políticos. Algo que também é retratado no filme de Scorsese.

Os dois séculos e tanto que separam as duas obras, uma de ficção e outra uma biografia verdadeira, mostram que o que muda é apenas a tecnologia e os atores sociais, nunca a lógica do sistema: tudo gira em torno do capital. No Brasil, o processo de colonização teve motivações econômicos, a independência teve motivações econômicos, a abolição do regime escravagista teve motivações econômicas, até mesmo a (nada) heroica Guerra Farroupilha, que está em plena celebração, teve motivações econômicas. Por que hoje as coisas seriam diferentes?

Quando assumiu o governo, o caçador de marajás confiscou a poupança do povo. Não sem antes avisar alguns privilegiados. Por sua vez, o príncipe da privataria, que outrora foi um acadêmico (quase) comunista, promoveu o desmonte de setores importantíssimos da economia do país, fazendo doações ao capital (às vezes nem tão) estrangeiro. Aliás, Raulzito já vinha dizendo desde o final dos 70’s que a solução é alugar o braZil. Já no nosso século, o ativismo judicial e o seu lavajatismo derrubaram uma presidenta e depois elegeram um presidente da república. As motivações? O desmanche dos setores energético, da construção civil, da indústria frigorífica e outros podem dar pistas. Levar ao Planalto um plano de governo cuja agenda econômica privilegia os interesses dos articuladores do ultraliberalismo era mais do que necessário depois de alguns anos de programas políticos com algum comprometimento com causas sociais. Era preciso romper essa estrutura, e para isso, nada melhor que um golpe, honrando a tradição democrática braZileira.

Em se tratando de golpes, a família Marinho tem know-how. As organizações Globo têm atuação decisiva nessa seara desde 64 pelo menos. De uns tempos pra cá, o Jornal Nacional, principal noticioso televisivo do país, pelo menos o mais assistido, bate forte em Bolsonaro. O seu ministério não é poupado, com uma única exceção, justamente a pasta da Economia. Acontece que nos últimos tempos o Chicago Boy vem mostrando falta de força para levar em frente com a rapidez necessária as políticas entreguistas que beneficiam as elites econômicas, que esperavam que tudo fosse mais fácil e ágil, diante do cenário que antecedeu a chegada do governo protofascista ao poder central. Paulo Guedes já não é unanimidade entre o alto empresariado, é questionado pelos banqueiros, enfim, a economia não anda muito bem. Nesse estado de coisas, Bolsonaro passa os últimos dois meses promovendo procissões de morte braZil afora, levando motociclistas enlouquecidos às ruas e estradas, conclamando caminhoneiros a pressionar as instituições, elevando a temperatura no meio rural, literalmente, com as queimadas na Amazônia, e metaforicamente, a partir de discursos virulentos de reis da soja e outros tocadores de berrante golpistas. (Mais um parêntese: aprofunde-se o que há de obscuro no Caso Lázaro.) Um dos objetivos desses movimentos era preparar os grandes atos do dia da independência.

No tão esperado Sete de Setembro, Bolsonaro foi aos palanques com um discurso enfurecido. O alvo principal era Alexandre de Moraes e, por consequência, o STF, que não é outro senão aquele tribunal referido por Romero Jucá na célebre frase: “Com supremo com tudo.” Jucá, como sabe, foi homem forte do governo golpista. A loucura bolsonariana por óbvio teve reflexos na economia, com fuga de investimentos, índice baixo na Bovespa, ações de grandes empresas brasileiras despencando, dólar subindo e tudo aquilo que se sabe que acontece quando a instabilidade política é forte. Apenas dois dias depois, entra em cena o pacificador. Este sujeito, que em 2016 foi declarado inelegível pela Justiça Eleitoral de São Paulo, mas que mesmo assim assumiu a presidência da república pouco depois, e que depois de ganhar o noticiário sendo preso pela PF chefiou uma missão humanitária do braZil em Beirute, preparou o fornilho do cachimbo da paz que selou o armistício entre Bolsonaro e Moraes no Nove de Setembro.

O tempo que vai durar o discurso moderado de Bolsonaro não se sabe, muito menos o namoro com o ministro, mas no aspecto político as repercussões já se fazem notar, com pedido de impeachment engavetado sem prazo, investigação do PGR suspensa, revogação de mandados de prisão e HCs impetrados e por aí vai. Mas isso são detalhes, desdobramentos naturais dos fatos, o mais importante para a felicidade geral da nação é que os investidores que compraram as ações de empresas brasileiras em baixa pela crise provocada por Bolsonaro, abnegados patriotas que amam esta terra acima de tudo (ou seria Deu$?) e que não se importam em perder dinheiro para ajudar o país a sair da crise, devem ter ficado surpresos com o “golpe de sorte” da elevação do Ibovespa e a queda do dólar na quinta-feira. Se vão ganhar algum nessa ciranda econômica, ora é merecido. Ou não é?

Imagem copiada de: <https://www.poder360.com.br/opiniao/governo/o-coronavirus-e-a-crise-que-vai-testar-bolsonaro-e-guedes-escreve-thomas-traumann/&gt;. Acesso em: 14 de set. 2021.

*Imagem de destaque copiada de: <https://steemit.com/pt/@aldenio/com-o-supremo-com-tudo&gt;. Acesso em: 14 de set. 2021.

Padrão
bolsonarismo, Política

FALTA ENVIDO!!

Numa das modalidades do Truco, uma dupla pode pedir a Falta Envido. A dupla adversária tem duas opções: não aceitar e perder um ponto, ou comprar a parada e ir pra disputa, caso em que a dupla vencedora ganhará pontos equivalentes aos que faltam para a que está na frente vencer o jogo. Pode parecer meio complicado, mas, como todo jogo de cartas, depois de algumas partidas a gente vai pegando a manha. Mas como no Xadrez, em que saber mover as peças não significa saber jogar, também no Truco não basta conhecer as regras determinadas, porque só a vivência do jogo vai fazer o bom jogador ou a boa jogadora. E do mesmo jeito que acontece no Pôquer, saber blefar é certamente o maior diferencial para ganhar. A Falta Envido, na perspectiva de quem está perdendo o jogo, é um ato de desespero. É o tudo ou nada. Se uma dupla está com 10 pontos à frente, por exemplo, faltando pouco para vencer, a dupla que está atrás pede a Falta Envido a cada rodada, mesmo sem ter jogo (blefe), contando que a outra vai fugir e assim poderá ir avançando ponto por ponto. Caso perca, azar, já estava perdido mesmo…

Ontem Bolsonaro pediu Falta Envido. E, como manda a tradição do truco, gritando.

Os sinais de isolamento estão cada vez mais evidentes. Faz tempo que Bolsonaro e Mourão já não falam a mesma língua, se é que algum dia falaram. O general (ou marechal?) esteve na Expointer na véspera do Dia Sete e exaltou o avanço no número de pessoas vacinadas, que foi fundamental para a realização da Feira com a presença de público, ao lado da adoção dos protocolos sanitários, como observou. Bolsonaro sabota a vacina, incentiva o não uso da máscara, faz questão de promover aglomerações, então a manifestação do vice-presidente teve tom notório de provocação.

Em algum momento de ontem, Mourão disse que por questões éticas não comentaria as declarações de Bolsonaro, como também já evitou em momentos anteriores. É evidente que ao se valer de princípios éticos para não comentar declarações de outra pessoa, está dizendo que é contrário a essas falas. Muitos pares de caserna de Mourão têm adotado a mesma postura, fazendo questão de se distanciar das loucuras bolsonaristas e desvincular as Forças Armadas das diatribes golpistas do estrategicamente tresloucado presidente.

Brazilian President Jair Bolsonaro (L) and his Vice-President Hamilton Mourao attend a ceremony marking the first 100 days of their government at Planalto Palace in Brasilia, on April 11, 2019. (Photo by EVARISTO SA / AFP)
Imagem copiada de: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/julgamento-tse-cassacao-bolsonaro-e-mourao/. Acesso em: 8/9/2021.

O fato de Mourão não ter estado ao lado de Bolsonaro nos palanques que o presidente frequentou ontem, assim como a ausência de outros ministros da linha de frente, mostra que os atos sempre foram articulados pró-bolsonaro e não pró-governo. Aceitar o contrário seria reconhecer que Mourão foi isolado do governo ou que não se importa com os rumos que ele vai tomar, mas a verdade é que quem deixou o governo é Bolsonaro. Se bem que para que isso seja verdade é preciso aceitar que algum dia Bolsonaro esteve à frente do governo, que é exatamente onde ele nunca esteve, uma vez que governa só para o seu cercadinho.

Bolsonaro foi o sujeito certo na hora certa que as elites encontraram para ocupar o espaço deixado pelas Esquerdas nas Jornadas de 2013, quando não souberam – ou acharam desnecessário – disputar o protagonismo dos atos e permitiram que se consolidasse o discurso que é melhor sem partidos. Bolsonaro se adequou tanto para ser a bola da vez que até este requisito cumpriu, sendo eleito por um partido de aluguel.

Não obstante seja um fantoche, Bolsonaro não é um imbecil. Um dos fatos que mais ocupou os/as analistas ontem, e certamente continuará hoje e pelos próximos dias, é a “convocação” pública do Conselho da República. Por que ele largou isso de forma quase aleatória, em meio a um discurso repleto de absurdos, em Brasília, e não repetiu quando se dirigiu a um público bem maior em São Paulo? Repito, Bolsonaro não é imbecil, e lançou um anzol para os peixes da grande mídia. Sabia que as produções dos jornais sairiam em desabalada corrida atrás das assessorias das autoridades que integram o Conselho da República, demandando precioso tempo nisso, e que os/as comentaristas entrevistariam juristas, cientistas políticos e toda a sorte de gente que adora ocupar o palanque midiático explicando durante horas coisas de importância bem menor. Tradução: cortina de fumaça.

Paralelamente, Bolsonaro acirrou o discurso de ódio e exortou o seu exército a atos extremos. Quando diz que não vai cumprir as decisões de Alexandre de Moraes, ele sabe que não está se referindo ao ministro de forma singular, mas sim ao Judiciário na totalidade. E, dizendo isso, sabe que a imbecilidade que o apoia vai se achar no direito de fazer o mesmo. Ele joga com a possibilidade de criar um caos absoluto na ordem social, o que vai atrair os holofotes da mídia e a opinião pública. Tradução: cortina de fumaça.

Poderia escrever folhas e folhas destacando cada frase de Bolsonaro cuidadosamente pensada com a intenção de provocar confusão, e cada ato previamente estudado para distrair o povo, como a aparição de Queiroz no meio do público. Mas isso não parece necessário. O que se tem aí de exemplo já é mais do que suficiente para mostrar que o desespero cresce na mesma proporção em que o clubinho começa a ficar restrito. Bolsonaro blefa porque sabe que quem tem o jogo na mão é a dupla adversária, então qualquer avanço de um ponto é motivo de comemoração. Enquanto ganha tempo com essas manobras aparentemente desvairadas, vai chuleando as próximas cartas para ver se a sorte lhe sorri.

Nesse Truco, o povo é a dupla que está na frente. Se souber jogar, o que significa recrudescer a pressão sobre as instituições e, principalmente, os agentes políticos, tomando as ruas em proporção cada vez maior, lotando as caixas de email de deputados e deputadas, senadoras e senadores, usando as ouvidorias dos órgãos, Ministério Público, Judiciário e outros, enfim, avançando em marcha acelerada contra o genocida, estará dando um passo importante para derrotar o bolsonarismo e recolocar o país no trilho da democracia. Entretanto, quem está acostumado a jogar Truco sabe que muitas vezes um bom blefador é capaz de virar um jogo perdido. Bolsonaro agoniza, mas enquanto não der o último expiro não podemos largar as cartas.

Imagem copiada de: https://www.notibras.com/site/multidao-ocupa-ruas-para-pressionar-forabolsonaro/. Acesso em: 8/9/2021.

*Imagem de destaque copiada de: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/bolsonaro-raivoso-irritado-amargo.html. Acesso em: 8/9/2021.

Padrão
Militarismo, Política

Entre mosquitos e comunistas, fi-lo porque qui-lo: ou a gestação de um golpe

Temperary Pres. Pasqual Ranieri Mazzilli, during crisis following forced step down of Brazilian Pres Joao Goulart. (Photo by John Loengard//Time Life Pictures/Getty Images)Imagem copiada de: https://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/especial-veja-ranieri-mazzilli-o-presidente-de-plantao/. Acesso em: 31/8/2021.

Em 1992, Jânio Quadros levou para o túmulo a informação sobre as forças ocultas que determinaram a sua renúncia, fato que está na gênese do Golpe de Primeiro de Abril. A ideia mais consolidada é que ela mesma tenha sido uma tentativa de golpe, versão que de alguma maneira sempre ficou bem delineada nas entrelinhas do próprio discurso de Jânio. Sabedor que era da rejeição enfrentada pelo “comunista” João Goulart, seu vice, eleito por outra chapa, numa daquelas loucuras típicas da democracia brasileira, JQ lançou mão da tática do “bode na sala”. Jango era tão ruim que o povo (e a caserna) não o aceitariam e trariam Jânio de volta em poucas horas e com honras. O momento da renúncia não foi obra do acaso. Em 25 de agosto de 1961 Jango estava na China, designado pelo próprio presidente, e nessa época a China era comunista. Não teria dia melhor para dar início ao golpe. Nunca se saberá, também, se Jânio era ingênuo o suficiente para confiar em militares, mas o fato é que, fiéis à sua trajetória golpista, assumiram eles mesmos o poder, não sem destacar um boi de piranha para fazer a linha de frente por alguns dias, enquanto tratavam de tentar impedir a posse de Jango. A laranjada brasileira não é coisa moderna, portanto. O que veio depois disso é Legalidade, democracia fantasiada de parlamentarismo e a conclusão do golpe, sem Jânio Quadros, três anos mais tarde, e essa história está bem registrada em artigos e livros.

Hegel disse que a história se repete pelo menos duas vezes e Marx acrescentou que na primeira como tragédia e na segunda como farsa. No caso do braZil talvez seja mais correto dizer que ela se repete muito mais de duas vezes e sempre como farsa trágica. Em 1961, como já ocorrera tantas outras vezes desde 1500, os militares estavam por trás de todas as articulações que determinariam os rumos da política brasileira pelos próximos anos (e décadas). Um dos elementos pouco lembrados, porque pouco falados, da história de 1961 é a “Operação Mosquito”, que em 2013 foi relatada em detalhes à Comissão Nacional da Verdade por Roberto Baere, tenente que se recusou a cumprir as ordens de preparar o atentado que deveria resultar na derrubada do avião que levaria Jango a Brasília para tomar posse. Em 1964, com o Golpe de Primeiro de Abril consumado, Baere foi expulso da Aeronáutica.

Imagem copiada de: https://mobile.twitter.com/almeidaemprosa/status/905053390845218816?lang=ar. Acesso em: 31/8/2021.

Transportando a história para os nossos dias, não seria descabido pensar em Lula como uma espécie de Jango, guardadas todas as diferenças entre um e outro e entre os contextos. A imagem de Lula como um comunista empedernido é tão falsa quanto o vermelhismo absoluto de Jango. Nem um presidente que se alia a José de Alencar (desta vez na mesma chapa) e nomeia Henrique Meirelles para o Banco Central, e muito menos outro que é herdeiro político de Getúlio Vargas, do Plano Cohen, podem ser vistos com seriedade como comunistas. Políticas sociais, existentes nas plataformas políticas tanto de um como de outro, não os levam à condição de articuladores no Brasil da política revolucionária de 1917. Longe disso. Entretanto, suas figuras representam tudo o que aqueles que nunca vestirão uma camisa vermelha sonham para manipular mentes, distorcer fatos e levar em frente a reação “redentora” e “heroica” das forças anticomunistas.

Assim, como a Campanha da Legalidade apenas protelou o Golpe do Primeiro de Abril – e há quem sustente a ideia de que ela foi consentida pela caserna justamente para legitimar a quartelada que viria em 64 -, há sinais claros, e emitidos diariamente, que o bolso-militarismo não vai aceitar ficar fora da festa em 2022. É preciso manter atenção redobrada ao Sete de Setembro próximo, que talvez seja mais um dos balões de ensaio lançados para testar a simpatia do povo a um novo regime de exceção mascarado de causa democrática. Essa história que os militares não querem assumir o poder não está me convencendo. Por ora eles estão tranquilos, já que ocupam quase todos os cargos importantes do governo, mas será que a vaidade da farda se contentará em governar à sombra? E, mais, será que ficarão democraticamente tranquilos diante da ameaça da volta “comunista” de Lula ao governo? Perguntas que não posso responder com convicção agora, mas desconfio que já seja tempo de Lula evitar tanto quanto possível viajar de avião. Há mosquitos tão ou mais perigosos que o da dengue…

Imagem copiada de: https://blogdolindenberg.com.br/bolsonaro-tentou-dar-um-golpe-militar-em-maio-segundo-revista/. Acesso em: 31/8/2021.

*Imagem de destaque copiada de https://vermelho.org.br/2020/05/18/o-golpe-nao-esta-distante-da-hora-presente/. Acesso em 31/8/2021.

Padrão