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E agora, José? A festa acabou (O mundo não é tão bão, Sebastião…)

O ponto alto da extensa agenda oficial de comemorações dos 250 anos (também oficiais) de Porto Alegre foi a apresentação da Maria Rita na Redenção. Grande show, com direito a “Ele Não”, “Fora, Bolsonaro” e outras perigosas subversões. Só tenho dúvida se o prefeito Melo ficou à vontade com isso, já que a sua eleição se deu justamente na onda Bolsonaro. Mas a festa acabou e restou uma cidade para governar. Uma cidade conflagrada.

A mídia grande não tem conseguido dar curvas nos registros de violência na periferia apagada. Ainda hoje pela manhã (segunda-feira), ouvi na rádio que já são 24 mortes no que eles estão chamando de guerra de facções. Qualquer pessoa que more, trabalhe ou de alguma maneira se interesse pelo que acontece nos bairros mais pobres da cidade sabe que essa manchete é risível. O número de pessoas que morre em condições violentas nas comunidades periféricas, de bala “perdida”, de doença que já deveria estar erradicada, de fome, por queima de arquivo, é muito maior do que o que chega ao GZH, ou melhor, do que o que entra na pauta das editorias do grupo. Essas pessoas, porém, integram um grupo social ainda menos considerado pela oficialidade, os órgãos de segurança e a grande mídia: o grupo de quem não vira nem estatística. A diferença agora é que as ações estão sendo articuladas de outra forma, com estratégias de divulgação que ainda não tinham sido exploradas em escala mais ampla. Circulam mensagens em grupos de WhatsApp, cuja autenticidade é muitas vezes questionada e até negada, mas que acabam se mostrando de alguma maneira conectadas com os fatos. Qual o interesse de quem está promovendo a violência em publicizar e anunciar as ações antecipadamente, inclusive com detalhes de local e hora? Não estamos diante de um thriller hollywoodiano, em que o serial killer deixa pistas para a investigação por vaidade e para mostrar que é melhor que o policial. Não, aqui é a vida real e os interesses são outros.

Há quatro anos, um inexpressivo parlamentar do Rio de Janeiro saiu da obscuridade de uma série de mandatos em que pouquíssimos projetos foram apresentados e menos ainda foram aprovados, para ocupar a primeira cadeira do Planalto. A agenda econômica do ultraliberalismo estava na ordem do dia da plataforma bolsonarista. Entretanto, fosse só isso, a elite dispensaria o testa de ferro e lançaria o próprio Paulo Guedes, a cabeça por trás do esquema econômico. Bolsonaro não teve nenhuma vergonha de dizer, em campanha, que não entende nada de economia. Mas uma sucessão presidencial envolve muito mais do que conhecimento teórico e técnico acerca do mercado e dos seus reflexos no bolso da população.

Bolsonaro sabia muito bem que a pauta econômica, tratada em nível mais elevado e complexo, interessa diretamente apenas às elites. Entre o povo, as duas demandas mais caras ao eleitorado, especialmente as classes médias, eram/são: fim da corrupção e segurança. O primeiro item já vinha sendo trabalhado há bastante tempo, desde as investigações que se notabilizaram como mensalão (o petista, não o tucano, por óbvio), depois o petrolão, Lava Jato, Dallagnol, Moro e por aí vai. Quanto à questão da pseudo-segurança, nisso, e provavelmente só nisso, Bolsonaro é bom. Distorcer fatos, mascarar a insegurança em segurança, criar um discurso para convencer uma população descrente das instituições e com sede de justiçamento, tudo isso foi tarefa fácil para ele e uma família com trânsito livre no crime, especialmente entre as milícias do Rio de Janeiro.

E o que isso tudo tem a ver com a nossa “guerra porto-alegrense”? Estamos em ano eleitoral. Mais do que isso, estamos diante das eleições (plural, porque há eleições parlamentares) mais importantes da história do Brasil, porque podemos chancelar de forma irreversível o projeto nazifascista, ultraliberal, entreguista e lesa-pátria do bolsonarismo, ou tentar recolocar o país nos trilhos de um sistema de maior democracia e justiça social. Bolsonaro já não tem o escudo da Lava Jato, o que enfraquece muito um dos flancos mais eficientes do programa. É preciso, então, reforçar outras áreas. Recrudescer o discurso da segurança, que passa pelo armamento em massa da população civil, é uma medida fundamental. Com uma população convencida da falência das instituições e da ineficácia dos órgãos de segurança, que não conseguem evitar o fechamento de escolas, os toques de recolher e muito menos garantir que alguém não seja assassinado, por encomenda ou por engano, ao sair ou voltar do trabalho, torna-se muito mais fácil vender o discurso da “justiça com as próprias mãos”. Não se faz justiça com as próprias mãos sem armar a população. Qual o único programa eleitoral que defende abertamente o armamento civil como forma de garantir a segurança privada?

Embora não haja eleições municipais agora, as relações entre as esferas administrativas exercem muita influência nos pleitos. Ter uma base sólida de apoio nos estados e munícipios é essencial para qualquer candidato/a ao Executivo nacional. Dessa forma, o prefeito Sebsatião Melo vai ter de se posicionar, escolher um lado, e, a julgar pelo histórico da sua eleição em 2020, o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro é a perspectiva. Com isso, apresentar a uma cidade assolada pela violência e criminalidade a narrativa de uma solução para a segurança é um prato cheio para o bolsonarismo e, por outro lado, pavimenta o caminho para uma repetição do mandato de Melo, que poderá usar a afinidade com o governo central em sua campanha em dois anos, caso o projeto fascista do bolsonarismo seja novamente bem sucedido.

Por isso, com a clareza de que a violência e a criminalidade não começaram em Porto Alegre há 15 dias, é hora de investigar a razão de somente agora, às portas das eleições nacionais, a atenção da grande mídia ter sido atraída para isso. Observar o posicionamento do prefeito Melo a partir da necessidade de dar uma resposta às demandas de segurança da população é uma boa providência e pode indicar o rumo das ações governamentais da prefeitura a partir de 2023. Se alguém pretende perder tempo dizendo que estou misturando as competências, que segurança pública é atribuição do governo estadual, peço que atente para o fato de ser essa uma discussão de políticas públicas em que todos os entes federativos estão implicados, outra não seria a razão da ampliação da atuação das guardas civis, por exemplo.

Sebastião Melo precisará tirar a máscara que usou no baile da cidade e mostrar a sua verdadeira cara, se é a do bolsonarista autoritário que se elegeu na carona do “mito” ou do democrata e conhecedor dos anseios do povo, cuja imagem ele tenta vender em suas andanças pela cidade. Melo será Lula, Bolsonaro ou observará a tudo do alto do muro da terceira via?

*Imagem de destaque copiada de: https://www.brasildefato.com.br/2020/12/10/bolsonaro-inaugura-ponte-em-porto-alegre-e-diz-que-pandemia-esta-no-finalzinho. Acesso em: 12 de abr. 2022.

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Jovens conservadores e o amor que diz pouca coisa: os paradoxos da política braZileira

“Dormia a nossa pátria, mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”. Quando Chico Buarque escreveu esse verso, não foi para Bolsonaro. Bolsonaro não existia.

“Se um só traidor tem mais poder que um povo, que esse povo não esqueça facilmente”. Quando Raul Ellwanger verteu essa estrofe para o português, não pensava em Bolsonaro. Também não pensava em Bolsonaro León Gieco, quando escreveu o verso original: “Si un traidor puede más que unos cuantos, que esos cuantos no lo olviden fácilmente”. Existiam Jorge Videla, Augusto Pinochet, Ernesto Geisel e João Figueiredo, mas Bolsonaro não existia.

A gente sabe de trás pra frente o que acontecia nos países da América Latina na época em que essas canções foram escritas. Por que, então, temos que passar por coisas desse tipo de novo? Estaria certa a definição de Marx sobre a história e sua repetição? Os novos generais seriam apenas versões renovadas ou farsantes, como os napoleões de Marx revivendo o Brumário? (Em verdade, muitos deles nem são tão novos e já andavam por aí na época daqueles outros, mas chamemos de novos em termos de protagonismo.)

Dia desses revi o documentário “Intervenção – Amor não quer dizer grande coisa”, de Tales Ab’Sáber, Rubens Rewald e Gustavo Aranda (disponível aqui: https://vimeo.com/264475519). O filme abre com um jovem Kim Kataguiri anunciando uma fala de Reinaldo Azevedo, que trata sobre o chamado controle social da mídia. (Guardem esta palavra: jovem.) Vou reproduzir aqui algumas palavras do jornalista, ditas a mais ou menos 1min45seg do filme: “Que país curioso! Eu debatia a liberdade de expressão num clube militar e num órgão civil de defesa de uma categoria, uma outra súcia defendia censura.” Súcia era uma referência a um grupo que participava de uma reunião concomitante, que ocorria no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, onde, segundo ele, se projetavam mecanismos de implementação de censura. Grifei a construção “outra súcia”, na fala de Reinaldo. Por que ele fala em “outra” súcia? A “súcia” que defendia mecanismos de controle da mídia pela sociedade que protestava no clube militar era a mesma, obviamente, que participava da reunião no sindicato. Eu vejo aqui uma espécie de ato falho. No fundo, Reinaldo sabe que a plateia da sua palestra no clube militar era, esta sim, a verdadeira súcia, e por isso ele usou “outra súcia”. Acerca de atos falhos, Reinaldo Azevedo, o primeiro que chamou petistas de PeTralhas em grande escala, é o mesmo que observou a trapalhada de Sérgio Moro sobre a Lava Jato e seus verdadeiros objetivos, quando disse, em entrevista recente, que a operação combateu o PT. Os princípios constitucionais da administração pública, que se aplicam ao Judiciário (legalidade, moralidade, impessoalidade etc.), assim como as regras mais básicas do direito criminal, como se vê, foram solenemente ignoradas pela força tarefa lavajatiana, que incluiu inclusive, e principalmente, o próprio julgador.

Já que falamos em Sérgio Moro, ele é a tentativa frustrada da Globo de encontrar a terceira via. E essa tentativa só é frustrada porque ele mesmo, o paladino da justiça, bravo guerreiro da cruzada anticorrupção, não se ajuda, seja pela total falta de carisma ou por ser idiota ao ponto de escancarar em uma frase a farsa da Lava Jato, cavalo de batalha da Globo cujo objetivo era derrubar o PT e quebrar setores fundamentais para a autonomia do país, liberando ao aluguel, como Raulzito já dissera em 1980.

Neste ponto, preciso dizer que considero que comete um grave equívoco boa parte das pessoas de Esquerda que afirmam não ver o Jornal Nacional e a programação jornalística da Rede Globo. Tudo o que o editorialismo da casa dos marinhos – e os que mandam nele – querem é que pessoas com capacidade crítica não vejam os seus jornais. Pelo contrário, é preciso, sim, assisti-los, principalmente o JN, de alcance fenomenal, para que se possa entender um pouco melhor como funcionam as coisas na política do braZil. Simplesmente bater no peito e se dizer contra a Globo é deixar o campo livre para as articulações da imprensa golpista que a rede capitaneia. Talvez graças aos espíritos críticos que assistem o JN é que Moro, em que pese ser ele próprio um tiro no pé, não tenha conseguido se consolidar como alternativa viável ao golpismo global – ou globista.

Voltemos uma vez mais aos conceitos históricos marxistas. A Globo apoiou o regime militar desde o primeiro momento. Melhor dizendo, foi nele que a Globo nasceu e se consolidou. Mas, assim como o pré-candidato ao governo do estado do RS, Onyx Lorenzoni, se arrependeu do caixa 2 e foi perdoado pelo próprio Sérgio Moro, também a Globo se mostrou arrependida e reconheceu o erro. Mas, vejam que interessante, esse mea culpa foi anunciado em 2013, algumas semanas depois do auge da onda de protestos que viria a desencadear o golpe de 2016. É bom lembrar que naquelas manifestações a Globo foi um dos alvos da massa descontente. Aqui em Porto Alegre, a esquina da Avenida Ipiranga com a Érico Veríssimo, onde funciona a Globo RS, foi isolada em várias quadras no entorno, protegida por um esquema de segurança digno dos maiores eventos ocorridos na cidade. A alegação do governo do estado para ter designado um aparato tão pesado para fazer a defesa de uma entidade privada (sim, as organizações Globo são privadas), passou, entre outras desculpas bem questionáveis, pela proximidade do prédio da RBS com o da Polícia Federal, que poderia ser alvo de ataques. Antes que algum crítico de plantão aponte, não estou esquecendo que o governador do RS era Tarso Genro, do PT. E isso diz muita coisa, claro que diz. Senão vejamos.

As Jornadas de 2013 tinham como bandeira o apartidarismo e mesmo o antipartidarismo. E para o maior partido do país não era interessante que ganhasse corpo um movimento que se dizia autônomo e prescindia da organização feita pelas instituições partidárias. Só que a estratégia utilizada para neutralizar a ação, que passou pela tentativa de desqualificar e tirar a legitimidade dos pleitos, se mostrou absolutamente equivocada e resultou no golpe que três anos depois derrubaria o próprio PT do governo central.

Ao contrário da Esquerda, que não soube na época avaliar com clareza o poder daqueles atos, a Direita, que desde a ascensão dos governos do PT estava na inusitada condição de oposição, faturou. No ano seguinte, Kim Kataguiri, Fernando Holiday e outros e outras JOVENS, fundaram o MBL. Daí para o aparecimento de tantos grupos de jovens… conservadores foi um pulinho. O filme que citei antes, que, tecnicamente falando, é apenas uma colagem de imagens e vídeos esparsos, retrata bem o papel dessa juventude conservadora na virada à direita que o país deu a partir de 2013. E quem deu a maior força a essa retomada da “conscientização” da juventude brasileira? Plim Plim! A resposta é… Rede Globo!

E, pra não fugir da tese marxista da repetição dos fatos históricos, vamos um pouquinho mais pra trás. Quem era Fernando Collor antes de ser presidente da república? Na res publica não era ninguém. Na vida privada, era diretor de um jornal ligado às organizações Globo. Caçou marajás – menos os seus – e ganhou da Globo um presentinho: a cadeira do Planalto. Com o tempo se mostrou perigosamente autônomo, disposto a voos solo, e teve as asinhas cortadas. (Mas foi só um tempinho de reciclagem. A Globo não desperdiça seus quadros.) Quem exerceu protagonismo na queda de Collor foi uma multidão de jovens, que a Globo, apelidou de “caras-pintadas”. A Globo e a juventude na linha de frente não é, portanto, nenhuma novidade.

Neste momento é interessante retomar uma ideia que já andou sendo pensada aqui na coluna: Bolsonaro está no fim, o bolsonarismo não. E o bolsonarismo é um sistema velho com uma cara jovem. A própria imagem do demente que governa o país passa uma ideia de jovialidade. Mas quando precisa, ele tira (ou põe) a máscara e mostra a própria decrepitude, que chega ao coração das pessoas na figura de um homem saudável que se tornou doente pelo atentado que sofreu por defender o país da ameaça vermelha. Um mártir, um mito que um dia está na praia de jetsky e no outro, hospital, sonda e cara de doente terminal.

Essa dicotomia, milimetricamente desenhada, é reproduzida nas entrelinhas do documentário que embasa a reflexão de hoje. Observem, no filme, as sutis diferenças entre os discursos das pessoas de mais idade e daquelas que estão da casa dos 40 anos para baixo, que, em política, podem ser chamadas de jovens. Enquanto a gente mais antiga propõe uma retórica baseada na experiência de quem viveu tempos melhores, interrompidos pela “trágica experiência comunista dos anos petistas”, e que sofreu as duras penas dessa inflexão histórica, a ala jovem vem com um discurso pesado, que não economiza incitação a ações violentas. Ora, é próprio da juventude um espírito mais aguerrido, que muitas vezes confunde agressividade com violência física. Essa é uma das misturas da receita básica do bolsonarismo: mesclar a suposta sabedoria advinda da experiência de quem já sobreviveu ao “comunismo”, com o temperamento incendiário da massa jovem, que quer tirar os “corruptos vermelhos” do poder nem que seja a pau. Os treinamentos paramilitares promovidos nos templos evangélicos, que aparecem ao longo de todo o filme, mostram que a lavagem cerebral que cria a inconciliável imagem do/a jovem reacionário/a, está em pleno curso.

O paradoxo político brasileiro está posto neste ano eleitoral. De um lado, a incompetência absoluta de Bolsonaro e sua família põe em risco a manutenção do projeto ultraliberal protofascista; de outro, essa mesma incompetência está sendo tratada nos círculos que determinam o poder como a reação contrarrevolucionária para frear a reestruturação das forças de Esquerda. Não é de graça que ao mesmo tempo em que Bonner e Renata, que, a propósito, ostentam imagens e linguagem bastante joviais, desciam a lenha em Bolsonaro na mídia televisiva, preferida do público bolsonarista, o jornalismo escrito, que chega em público diferente, em tese mais politizado, atacava Lula com a mesma virulência. No meio dessa briga, fomentada por ela mesmo, a Globo ganha tempo pra achar a terceira via.

Spoiler: Michel Temer anda sumido e Eduardo Leite foi retirado da linha de frente. Recuos estratégicos de um plano já arquitetado? Temer é culto, se veste impecavelmente, tem uma esposa bela, recatada e do lar, é bom de voto, principalmente em São Paulo, e Leite é o jovem conservador (como é difícil aceitar essa imagem!) adequado ao padrão. É certo que a Globo tem estimulado a polarização em dois lados com muitos e evidentes problemas, Lulismo e Bolsonarismo, que são explorados na mesma medida. Enquanto isso, vendo o barco do ex-juiz e ex-ministro, atualmente consultor para a recuperação de empresas que ajudou a quebrar, naufragar antes mesmo de deixar o porto, nada melhor do que resguardar possíveis candidatos, retirando-os da exposição massiva e mantendo a carta na manga para a hora certa, quando o eleitorado já estiver cansado e desesperançado e assim pronto para aceitar qualquer coisa que se lhe apresente como alternativa. Mesmo que sejam as mesmas velhas raposas velhas, acompanhadas por novas raposas velhas.

Que a Esquerda não seja como a pátria mãe, tão distraída…

*Imagem de destaque copiada de: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2015/03/em-culto-da-universal-jovens-gladiadores-se-dizem-prontos-para-a-batalha-4710883.html.&gt; Acesso em: 10 de jan. 2022.

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Brasil de Jesus X braZil de Messias: nações em chamas

Na madrugada de 13 para 14 de novembro, uma semana atrás, um incêndio destruiu a casa de orações da Aldeia Guarani Pindó Mirim, aqui em Itapuã. Não deu no Fantástico, não teve espaço na editoria local do G1.

Este crime, que também atingiu um local usado para a guarda de alimentos, não é um fato isolado. Na página do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) podem ser encontradas várias notícias de atentados recentes contra áreas indígenas. Raríssimos desses casos têm alguma repercussão na grande mídia e, quando isso acontece, é de passagem e sem que se dê o devido acompanhamento aos desdobramentos, principalmente no âmbito penal, se é que os há.

Proponho um teste rápido para ilustrar a minha afirmação: qual a primeira lembrança que traz o nome Galdino Jesus dos Santos? Apesar do sobrenome, Galdino é um cidadão indígena, nascido na nação Pataxó. E por que ele é chamado de Jesus dos Santos? Porque os indígenas precisam adotar um nome ocidental para o registro civil na terra que desde sempre foi deles. Trata-se de uma das mais cruéis expressões de violência humana, pois age diretamente na subjetividade, na construção identitária da pessoa, que é obrigada a ser reconhecida por um nome que não tem nenhuma relação com a sua cultura. Mas não é exatamente este o ponto que quero tocar agora. Interessa lembrar que em 19 de abril de 1997, data que integra o calendário civil brasileiro como Dia do Índio (“todo dia era dia de índio”, diziam Pepeu e Baby), Galdino se abrigou em uma parada de ônibus da capital federal, já que por conta do horário não tinha conseguido retornar para a pensão em que estava hospedado. Estava em Brasília para tratar com o governo FHC de questões indígenas. E, naquela madrugada, dormindo na parada de ônibus foi que encontrou o seu trágico destino, pelas mãos de alguns jovens de classe média, que resolveram “tirar uma onda” e tacaram gasolina e fogo nele. Galdino morreu no dia seguinte, com 95% do corpo queimado. No julgamento, os “meninos” alegaram que pensavam se tratar de um “mendigo” e resolveram fazer uma brincadeira com ele. Vale dar uma olhada na sentença que desclassificou o crime para “lesão corporal seguida de morte” (https://archive.md/lijQe).

Imagem copiada de: <https://www.brasildefato.com.br/2021/08/31/governo-bolsonaro-designou-assassino-do-indio-galdino-para-cargo-de-confianca-na-prf&gt;. Acesso em: 24 de nov. 2021.

Revoltante essa história, né? E que tal saber que um dos assassinos, Gutemberg Nader de Almeida Júnior, exerceu um cargo de confiança na Polícia Rodoviária Federal, na gestão do paladino da justiça Sérgio Moro à frente do Ministério da Justiça? Pois é, definitivamente o Brasil de Galdino Jesus não é o mesmo braZil de Messias Bolsonaro.

Vamos pegar um fato mais recente pra ver se alguma coisa mudou do final dos anos 90 pra cá. Lembram do então deputado que discursou para ruralistas dizendo que “índios, quilombolas e homossexuais são tudo o que não presta”? Minha memória, assim como meus dentes, às vezes me trai, mas disso eu me lembro: chama-se Luiz Carlos Heinze, foi eleito senador, é uma das vozes mais inflamadas na defesa do governo bolsofascista e é pré-candidato ao governo do RS. Na minha perspectiva, com boas chances de ser eleito, diante do poder da classe que representa, afinal, o agro é pop.

Nessa altura, alguém já estará dizendo que é uma injustiça (ou mimimi) afirmar que a grande mídia não se interessa pelas causas humanitárias, afinal o próprio Fantástico andou denunciando crimes e problemas graves em terras Yanomamis. Parece até que depois dessas matérias o Ministério Público Federal resolveu cobrar das autoridades providências para a saúde das comunidades noticiadas. Vamos colocar alguns pingos em alguns is e, pra não perder o hábito, lançar uma dúvida: (1) o MPF tem gente e estrutura suficiente, inclusive de inteligência, para não depender do Fantástico para agir nesses casos; (2) considerando que os crimes contra os povos originários não começaram a acontecer na semana passada, talvez seja interessante investigar o que está por trás do súbito interesse da casa dos marinhos na questão indígena. Diz a sabedoria popular que não há almoço de graça, enfim.

Pelo menos desde que os astecas pagaram caro a ingenuidade de Montezuma ao receber Hernan Cortez como um deus, os velhos habitantes do novo mundo são assassinados. Algumas vezes de forma ostensiva e coletiva, como se fazia na época das conquistas ultramarinas, outras pelo fogo, que é ateado contra a própria pessoa ou que destrói os seus locais sagrados e os reservatórios de alimentos nos espaços onde estão aldeados. Acontece que nos séculos passados o povo não podia decidir nada, a não ser pelas armas. Hoje também precisamos de arma, mas temos uma mais poderosa do que qualquer outra, que devemos a quem lutou e até morreu para que pudéssemos dispor dela: o voto. A questão que se impõe agora é que temos pouco menos de um ano para decidir, pelo voto, como queremos passar à história frente à questão indígena: se na condição de copartícipes do extermínio das nações que já estavam por aqui muito antes de nós, em pleno curso há 500 anos e em marcha acelerada no governo fascista atual; ou como pessoas que lutaram para o restabelecimento da democracia e dos caminhos para a construção de uma sociedade mais justa, em que todas e todos, independente de etnia ou cor, gênero ou afetos, filosofia ou credo, tenham direito a uma vida digna. Está nas nossas mãos dar um passo na direção de um país em que pessoas, mesmo que de fato sejam moradoras de rua (ou mendigas, como preferem aqueles ex-jovens mas sempre assassinos), não tenham seu corpo carbonizado por mera diversão. E em que mulheres não sejam estupradas apenas por não merecer, e em que quilombolas e homossexuais não sejam tratados como lixo, e por aí vai.

No caminho do voto, tudo aponta que Bolsonaro, acusado pela CPI de genocida de indígenas, seja candidato. Moro, seu ex-aliado de primeira hora, em cuja gestão como ministro da… justiça, um assassino cruel ganhou cargo de confiança, também será. Na esfera estadual, Heinze, que disse aquelas barbaridades antes citadas e considera a demarcação das terras indígenas um crime contra o país, disputará o pleito. E assim como esses, tantos e tantas candidatos/as comprometidos/as com os (mais sórdidos) interesses das elites concorrerão aos cargos no legislativo. Urge, então, que as forças de resistência assumam o compromisso de combater de forma séria e organizada essa escalada nazifascista e ponham termo ao incêndio que destrói a mata, as terras, as comunidades e as pessoas.

Enquanto nós, que temos o poder de usar o voto para mudar esse quadro, continuarmos acreditando que o massacre dos povos originários e as barbaridades cometidas contra as pessoas que a elite nazi considera diferentes não nos diz respeito, ou apenas olharmos com algum sentimento de pena e sem nenhuma intenção de assumir a culpa que temos pela omissão frente aos fatos revoltantes, como o assassinato de Galdino ou o atentado sofrido pelos Guaranis de Itapuã na semana passada, o risco da história nos carimbar como apoiadores de assassinos nos assombrará. E não adianta terceirizar a luta para o Fantástico ou o Jornal Nacional, que as pautas das editorias da rede são muito voláteis (ah, os eufemismos…) e talvez daqui a um ano ou menos os Yanomamis já tenham caído no esquecimento (de novo), como caíram Galdino e seus assassinos.

Quanto ao crime em Itapuã, nem no Jornal do Almoço…

*Imagem de destaque copiada de: <https://www.abrasco.org.br/site/comissaodecienciassociaisehumanasemsaude/o-que-se-trama-contra-os-povos-indigenas/716/&gt;. Acesso em: 24 de nov. 2021.

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Tá lá o corpo estendido no chão: ou a arte de morrer na contramão atrapalhando o tráfego

Quando Danuza Leão lamentou o risco de encontrar o porteiro do prédio no aeroporto de Paris (https://www.geledes.org.br/o-perigo-de-dar-de-cara-com-o-porteiro-do-proprio-predio-danuza-leao-pede-desculpas-a-porteiros-e-leitores/), não estava expressando uma frustração meramente pessoal por ver que os espaços privativos do high society estavam ameaçados. A lógica que pobre só frequenta a universidade quando está trabalhando na construção do prédio estava sendo subvertida e era preciso fazer uma espécie de manifesto dando conta da insatisfação coletiva de uma classe que não estava acostumada a dividir o seu espaço com gente estranha. Naquele momento, Danuza assumia o papel de porta-voz de uma elite que se importa antes em manter a distância da “turma de baixo” do que com os próprios prazeres que as melhores condições econômicas podem oferecer. Poderia impregnar a conversa de uma ortodoxia marxista e examinar se Danuza integra a classe que detém o capital e os meios de produção, ou se é a contragosto integrante de uma classe “especial”, que é explorada, mas se recusa a aceitar e se enxerga no topo da pirâmide econômica. Isso não interessa agora, porém.

Algum tempo antes, um raivoso jornalista vociferou num telejornal de Santa Catarina contra os malditos miseráveis que naqueles tempos podiam comprar carros. As palavras do inexpressivo apresentador são tão chocantes que vale a pena reproduzir uma parte:

Se um desgraçado destes é atrop… – e esta é a palavra – se um desgraçado destes é atropelado e feito sanduíche na pista, o que é que vão dizer? Este trânsito insano!! Insano é o cara que para o camarada [sic], para o carro, atravessa a BR pra ver o que aconteceu com outra pessoa. Então é isso: estultícia, falta de respeito, frustração, casais que não se toleram [!], popularização do automóvel, resultado deste governo espúrio [o ano era 2010], que popularizou pelo crédito fácil o carro para quem nunca tinha lido um livro. Com a arrogância típica de quem é dono da verdade, o encerramento foi com um: É isso! (O comentário completo pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=4tbOIuPU5Vs&ab_channel=CRSS3.) Não vou entrar em detalhes sobre os estudos que mostram que os acidentes automobilísticos mais violentos são provocados por máquinas com preços de 6 dígitos e até mais, que, obviamente, não são pilotadas pelos desgraçados miseráveis referidos pelo colunista. Também não vem ao caso.

Na última terça-feira, estava ouvindo o programa Sala de Redação, e na transição para o Gaúcha Mais, quando costumeiramente ocorre um bate-papo entre os integrantes dos dois programas, o apresentador Paulo Germano fez uma referência à nova orla do Guaíba. Querendo destacar a democratização das áreas públicas da cidade, ele disse que as classes mais altas vão frequentar a beira do rio por conta da excelência do local, do alto nível dos equipamentos de lazer que lá serão disponibilizados (quadras de esportes, pista de skate etc.), enfim, atraídas pelo que de melhor aquele espaço vai oferecer. As classes mais populares também vão estar lá, segundo o comunicador, mas por uma razão diferente: é de graça.

É interessante observar rapidamente os perfis das pessoas que fizeram os comentários aí de cima. Danuza Leão é uma típica figura da geração Bossa Nova, a alta sociedade da zona sul carioca que fez sucesso entre a segunda metade do século passado e o começo dos anos 2000; já Luís Carlos Prates é um jornalista anacrônico, do tipo que não atende mais os requisitos das editorias modernas, mas que ainda encontra espaço aqui e ali em programas sensacionalistas ou em veículos com fortes vinculações com os interesses e as ideologias das elites. São, portanto, duas pessoas com uma trajetória de vida mais longa, que atravessaram um período de transição da sociedade, com grandes mudanças nos comportamentos e nas tecnologias. Assim, de certa forma é possível contextualizar as posições que elas expressam, absolutamente injustificáveis, mas compreensíveis. Assustador mesmo é o caso do Paulo Germano.

PG, como é conhecido, tem a imagem requisitada para trabalhar no jornalismo “sério” contemporâneo: jovem, descolado, com uma bagagem cultural interessante, transita com desenvoltura por assuntos diversos, como políticas públicas, música e livros (o fato de dia desses ter associado Bukowski aos Beats é – ou não – irrelevante), e é interessado nos acontecimentos diários da cidade. Assim o portal da Famecos o descreve: “Espontâneo e carismático. Um jornalista humano que consegue exercer a empatia em tudo o que faz. Paulo Germano Moreira Boa Nova, nascido em 17 de dezembro de 1982, sonhava em ser um pop star de sucesso mundial, mas acabou encontrando no jornalismo o sentido que tanto desejava para a sua vida.” (http://portal.eusoufamecos.net/muito-mais-que-profissional-a-famecos-me-formou-como-gente/).

Deixando Danuza e Prates de lado, pelos motivos mais ou menos já referidos, me intriga saber o que leva um cara com o perfil de Paulo Germano a expressar uma ideia tão datada e tão preconceituosa como a de que rico procura qualidade e pobre procura preço baixo. Como Marilena Chauí e Brecht já nos ensinaram que tudo é política, não vou me furtar do “mimimi” de colocar essa desimportante fala do jornalista da RBS num contexto mais amplo, de sustentação dos padrões segregatórios da sociedade moderna, das discriminações de todas as ordens, do racismo estrutural, do sexismo, da violência de gênero, enfim, de tudo o que de mais podre tem na mente humana e que reverbera nas relações sociais. Pego carona em Tolstói pra pensar que ao descrever um fato da aldeia, Paulo Germano está se manifestando quanto à cultura universal. Porque o que está por trás de uma fala aparentemente inofensiva dessas é tudo que está aí a sustentar essa sociedade de exclusão em que vivemos. Pensar num espaço público que é frequentado por umas pessoas pela qualidade e por outras só por ser gratuito é naturalizar a existência de pessoas de categorias humanas diferentes. É o tipo de pensamento que faz estranhar a presença de uma pessoa preta e pobre em um museu de arte, mas permite passar batido pela ausência de pessoas pretas e pobres em meio às que frequentam o Cais Embarcadero a passeio; é o tipo de pensamento que acha bobagem a preocupação em eliminar termos e expressões racistas e sexistas da linguagem diária, sob o argumento que apenas refletem costumes arraigados; é o tipo de pensamento que permite ver que Paulo Germano, David Coimbra, Cristina Ranzolin, Daniela Ungaretti etc. etc. etc., dividem os espaços da linha frente dos veículos da maior rede de comunicação do Rio Grande do Sul com a Fernanda Carvalho, e só com ela de mulher negra, além de nenhuma PCD, e achar isso normal; é o tipo de pensamento que talvez imagine que não há mulheres trans nem homens assumidamente gays nas faculdades de jornalismo ou que essas pessoas não têm competência e qualificação profissional para estar na RBS; é o tipo de pensamento que acha normal que o Jornal do Almoço dê início à programação comemorativa dos 250 anos da capital da europa brasileira sem fazer referência às pessoas negras que construíram a grandeza da cidade e que, quando aparecem nas matérias, é apenas pelos aspectos pitorescos que são construídos, como histórias de superação e exceção, dignas de admiração por pena e não por respeito e reconhecimento aos seus valores; é o mesmo pensamento que não vai mostrar a luta das comunidades indígenas da zona sul da cidade para manter a posse das suas terras e a sua dignidade, e que vai naturalizar que mães e crianças guaranis sejam tratadas como pedintes no Brique da Redenção. Redenção, a propósito, que é um nome lindo e cheio de significados, mas não oficial, porque o que está nos registros da municipalidade homenageia os grandes heróis (e abigeatários) farrapos.

Enfim, queiram ou não, a frase aparentemente sem importância do Paulo Germano transporta essa pesadíssima carga de discriminações e violências, mesmo que talvez ele não seja, como provavelmente não é, conscientemente racista e elitista. E este é justamente o problema maior que enfrentamos: o racismo quase nunca é consciente, assim como quase nunca o são a homofobia, a misoginia e tudo mais. Raramente vamos ver alguém dizendo abertamente: “Eu sou racista!” ou “Eu sou homofóbico!” Mesmo Jair Bolsonaro, que disse preferir um filho morto a um filho gay e comparou quilombolas com bois, não se assume como racista e homofóbico e tem um exército de seguidores fanáticos sempre de prontidão para defendê-lo dessas – e de outras – acusações. Assim, fica cada vez mais evidente que enquanto não pararmos de “passar pano” para essas veladas manifestações de discriminação (refiro-me às do PG), naturalizando e dando pouca importância a elas, não avançaremos nos processos verdadeiramente civilizatórios (eu prefiro mesmo chamar de humanizatórios) que precisamos implementar.

Em um conversa recente sobre essas coisas, o meu amigo Douglas Ricalde me fez atentar para o artigo 7º da Lei 12.711, de 2012, que trata da política de cotas nas universidades. Este artigo determina que no prazo de 10 anos a partir da publicação da lei, o programa deve passar por revisão. Isso vai acontecer no ano que vem e há duas possibilidades: por ser ano eleitoral, talvez o Congresso se dobre às pressões que deverão ser feitas pelas pessoas e grupos interessados não só na manutenção do sistema quanto no seu aperfeiçoamento; por outro lado, dada a terrível configuração do parlamento, formado em grande parte por gente ligada a todo tipo de interesse espúrio, há forte chance da lei ser até revogada. No embate que certamente vai se travar, cabe à sociedade civil e ao campo progressista pensar a articulação desde agora para que esta não seja mais uma política de avanço social a ser aniquilada pelas forças nazifascistas que comandam o país.

*Imagem de destaque copiada de: <https://edisilva64.blogspot.com/2018/09/quando-o-pobre-adere-ao-discurso-do.html&gt;. Acesso em: 5 de set. 2021. (A imagem foi editada para que não apareçam os rostos das pessoas.)

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Agronegócio, bolsonarismo, Direitos Humanos, Política, Rio Grande do Sul

A neve nos campos de soja: ou o estado das três capitais

O que não tem faltado ultimamente é assunto para a crônica política. Hoje poderia especular, por exemplo, o que está por trás do suposto desentendimento entre Bolsonaro e o chicago boy na taxação das elites. Poderia fazer um crossover de esporte e política, pensando que a rede goebbels, ops, Globo, poderia terminar de vez com o discurso quadrienal hipócrita da superação e do heroísmo dos e das atletas olímpicas do BraSil – que se superam e são heróis e heroínas – e usar todo o seu poder para cobrar incentivos reais dos governos e da classe empresarial para que o esporte seja realmente um caminho para melhorar o país. Seria legal ir mais especificamente a um ponto alto desta olimpíada, onde tem aqui sim um crossover maravilhoso que une Bach e MC João. E o Mário Frias? Não daria pano pra manga falar sobre a desgraceira cultural no braZil com essa gente no poder?

Imagem copiada de https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/07/4940245-planalto-homenageia-dia-do-agricultor-com-imagem-de-homem-armado.html

Só que esta semana um amigo me mandou por WhatsApp algo que ele escreveu. Este meu amigo é uma das referências mais importantes no meu envolvimento com coisas da política, desde as lutas sindicais do serviço público federal nos anos 90 e da formalização do Diretório Acadêmico Osvaldo Oppitz, no velho colegião do Direito da Ritter dos Reis, em Canoas, ainda nos 90’s. A análise que ele faz da conjuntura política do enclave europeu em terras brazilis é preciosa. Pedi autorização para compartilhar o texto e ele disse que sim, mas que por algumas razões não queria que fosse revelada a autoria dele. Sugeriu que eu assinasse como meu. Jamais faria isso! Seria uma sacanagem com ele, que mesmo com a sua decisão de anonimato respeitada, claro, é o autor; mas seria uma sacanagem ainda maior comigo mesmo, porque as pessoas que me leem esperariam daqui pra diante que eu escrevesse dessa maneira e eu preciso de muita estrada pra chegar perto do que o A… – ops, quase entreguei a rapadura! – faz. E, ademais, a proposta aqui é divulgar ideias e não autorias. Então, muito obrigado pela generosidade de partilhar o teu pensamento, meu querido amigo, e me permitir a honra de ser o teu porta-voz neste momento! Segue aí o teu texto, que agora é de todes.

“Hoje no Rio de Janeiro, faz 32 graus e quem pode, se mandou para a praia. Mais tarde, os infelizes cariocas vão tomar uma cerveja antes de dormir, escutando os inúmeros tiroteios que já fazem parte da ecologia acústica local. Quem sobreviver à Guerra Civil, poderá ver reality shows idiotas com pessoas mascaradas cantando.

O gaúcho empobrecido não se importa em andar de Havaianas no meio da chuva congelada. Importante mesmo é saber que os estancieiros da Farsul estão produzindo soja pelos poros e pressionando pela dragagem do Super Porto. Enquanto o gaúcho pobre, separatista de Extrema Direita e chauvinista odeia a China e denuncia o seu vírus fabricado em laboratório, os estancieiros gaúchos supremacistas brancos, risonhos e rechonchudos vendem soja para Pequim.

Imagem copiada de https://oglobo.globo.com/brasil/em-campanha-no-sul-bolsonaro-diz-que-nao-sera-jairzinho-paz-amor-23020818

É fato: os cariocas e os fluminenses são analfabetos políticos porque conseguiram eleger Jair Bolsonaro, seus filhos sádicos e o pastor Marcelo Crivella. Os cariocas gostam de figuras sebosas e criminosas que usam a política para se valer do Foro privilegiado. São portanto diferentes dos gaúchos: os gaúchos são politizados, e elegeram Antônio Britto, Germano Rigotto, Yeda Crusius, Lasier Matins, Ana Amélia Lemos, e o garoto do governo perfeito sem questionamentos, Eduardo Leite. Também conseguiram transformar em deputados Onyx Lorenzoni e Danrlei de Deus, e catapultaram ao senado o líder da SS local, Luis Carlos Heinze.

Heinze é um racista patético, bolsonarista inflamado e que não nega a gloriosa tradição ariana: lidera pesquisas para o governo do estado. Em 2014, então deputado federal, Heinze se referiu aos quilombolas, indígenas e homossexuais como “tudo o que não presta”. Eleito pelos europeus “o racista do ano” naquele longínquo 2014, Heinze agora se tornou famoso por dizer que Cloroquina cura de berne no gado à Covid. Naquele ano, nosso vereador de Rio Grande, Wilson Batista (PMDB), vulgo Kanelão, se nivelou a Luis Carlos Heinze ao dizer que na Democracia rural gaúcha, os negros podiam até comer em restaurantes. Os gaúchos elegem esta gente graças ao seu projeto: uma pátria que seja um Reich. Avante gaúchos da Gestapo!

Imagem copiada de https://www.correiodopovo.com.br/colunistas/eduardo-conill/senador-heinze-recebe-condecora%C3%A7%C3%A3o-1.511846

Os gaúchos colocaram Heinze no senado porque são politizados e inteligentes. São inteligentes graças à sua genealogia, pois conforme a RBS são todos brancos, não fazem parte do Brasil e estão no topo da ciência vitoriana, com sangue caucasoide. No Rio Grande do sul da RBS, qualquer um que morrer de hipotermia, estará dando a sua vida pelo grande projeto da pátria pampeana: o sonhado Reich local.

Enquanto as multinacionais lavam dinheiro em consórcios nacionais, e compram nossas estatais por preços de terrenos nos subúrbios de Rio Grande, os gaúchos empobrecidos, sem bombachas e sem chimarrão, guardam para si o único souvenir da enorme pátria pampeana que lhes resta: o frio. Há frio para todos aqui. Falo de frio de verdade. Há muito frio hoje no Rio Grande do Sul. O povo gaúcho é frio: odeia o magistério, odeia os indígenas, odeia os sem terra. O gaúcho não tem onde morar, mas defende o direito dos latifundiários armados. O gaúcho também é homofóbico, mas engole Eduardo Leite, porque ele é o gay que não afronta os estancieiros heteronormativos que manobram o relho no interior.

Nossas frentes frias não vêm da Terra do fogo e nem do pampa argentino, mas sim da nossa gênese positivista: os gaúchos acreditam na meritocracia e quem nela não se encaixa, que seja banido pelo Darwinismo social, com a nossa seleção natural. Educados pela Farsul e pela RBS, conglomerado do jornalismo canalha e conservador, boa parte dos gaúchos é separatista e quer expulsar daqui índios e negros. Nesta lógica, a lógica patife da Rede Brasil Sul, o estado terá 3 capitais: Porto Alegre será a capital administrativa, para o empresariado negociar como comprará nossa infraestrutura a preços baixos. Torres será a capital no verão, para receber turistas brancos. Milícias de brigadianos cercarão Gramado, que será a capital de inverno: uma cidade fortificada onde pobres não entram.

Ao lembrar que logo será setembro, e que milícias de bombachudos gaúchos sairão a dar relhadas em gays que se atreverem a desfilar com a bandeira LGBT, lembro enfim do que fizeram deste estado e da propaganda do McDonald´s: Eu odeio muito tudo isto.”

Imagem copiada de https://www.portaldasmissoes.com.br/noticias/view/id/3608/pobre,-mestico,-sem-terra,-marginalizado…–o-gau.html

*Imagem de destaque copiada de https://domtotal.com/artigo/7517/2018/06/latifundio-violencia-campesinato-classe-social-que-luta-pela-terra/

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Política

Entre novas palavras e velhas práticas: os mitos e os vômitos da política braZileira

Bolsonaro nunca leu Guimarães Rosa. Desconfio que se alguém perguntar, o desgovernante vai achar que é algum general de que ele não se lembra. Se bem que, a considerar o amor que tem pelo homens de farda, ele, que foi incompetente até para uma carreira que não exige vocação além do apreço pela violência e o gosto pela submissão, deve saber o nome completo e o CPF de todos os oficiais do Império até hoje. Já Guimarães Rosa, que em suas andanças pelos sertões nunca se separava do seu caderninho de anotações, recolheu as falas do povo e as reproduziu, fundiu, criou, inventou novas palavras, fez o povo brasileiro se reconhecer nos seus contos e romances. Chegou a um nível de brasilidade tão puro na voz de seus personagens que obrigou o seu tradutor alemão a verdadeiros malabarismos linguísticos, a ponto de responder deste jeito a uma pergunta sobre as inovações que imprimiu ao verter Grande Sertão: Veredas para o idioma de Thomas Mann: “O senhor já viu algum centroavante alemão fazer gol de bicicleta?”

A riqueza cultural da obra rosiana é um tema apaixonante, mas vou deixar pra outra hora falar sobre o simbolismo de “nonada”. Hoje o assunto é “motociata”, palavra nova que não foi criada pelo grande escritor e muito menos por Bolsonaro, claro que não. Este semianalfabeto se atrapalha com o parco léxico que as suas limitadas sinapses conseguem manipular, que dirá criar alguma coisa em língua. Pra dizer bem a verdade, pouco me importa descobrir de onde saiu a tal motociata, a palavra, mas quero olhar para o que esta que passou por Porto Alegre no sábado passado foi e, principalmente, para o que ela representa na atual conjuntura. Houve rede de mídia que anunciou um milhão de motos na procissão da morte bolsonarista. Mas ridículo que se mantém no ridículo e caga pra isso, só o próprio presidente fascista. Desmentiram a “notícia” logo em seguida. A propósito de cagar, disse o genocida dia desses que caga pra CPI. Comparável à paixão pelo fuzil, a fixação deste sujeito por merda é tanta que ele não passa um dia, sequer algumas horas sem fazer uma.

As fotos e vídeos divulgadas mostram que de fato muita gente participou do passeio do séquito bolsonarista pela ruas de Porto Alegre, o que comprova que, a despeito do que dizem seus algozes da mafiomídia nas pesquisas recentemente divulgadas, o bolsonarismo ainda vive e está forte. Chego a pensar se a artilharia da Rede Goebbels, ops, Globo, e suas parceiras de consórcio não se enquadram num grande tour de force de desinformação, com o objetivo de desarticular as forças de resistência. Plano que inclui a produção em ritmo industrial de escândalos por parte do (des)governo e que passou, antes da eleição, pela feicada (neologismos, enfim…) que, segundo Renan Calheiros, resultou na costura do intestino à garganta do Messias. Aliás, a que nível triste descemos quando Renan Calheiros vira referência. Delírios conspiratórios? Talvez, o que não chega a ser estranho no país do terraplanismo.

Voltando aos motociclistas do inferno, que são muito mais perigosos que os de Altamont , nas primeiras filas eles cavalgavam máquinas que consomem mais gasolina (a mais de 6 reais!) que um Opalão 6 cilindros, como me disse um amigo no sábado. É significativo que a comissão de frente desse entrudo mórbido apresente Ninjas e Hayabusas de ronco forte e acelerador nervoso. Essas motos não estão ao alcance do povo que sofre a plataforma genocida do governo bolsonaro, então ainda se pode entender porque estavam lá. Entretanto, é paradoxal que se vejam algumas desavergonhadas Titans e Factores, poucas, é verdade, mas algumas até com os baús de tele-entrega, em geral cobertos pela bandeira da ordem e do progresso. Isso escancara uma faceta burra da classe mé(r)dia, que se vê afundar na lama chafurdada pela familícia imperial, mas continua sorrindo à semelhança de hienas que se contentam com a carniça, porque o que importa mesmo é a reprodução em loop do discurso da queda o PT.

Por outro lado, dias atrás Eduardo Leite rompeu com o bolsonarismo. Ou isso ou ele é tão demente quanto o líder messiânico que apoiou em 2018. Só que ontem o recém assumido membro da comunidade LGBTQIA+ mandou um recado a quem achou linda a sua saída do armário no palco global, inclusive, e talvez principalmente, para a parte da Esquerda que aplaudiu entusiasticamente o anúncio. Ao justificar a truculência da sua brigada (não por acaso) militar, ele disse que a repressão atuou para garantir a ordem e a segurança de manifestantes de ambos os lados. De ambos os lados, disse ele, mas quem acabou no camburão foi a perigosíssima terrorista que ameaçava mandar pelos ares a manifestação fascista com a sua letal… panela, que sequer era de pressão.¹ Era de baixa qualidade, então, a maquiagem humanitária do governador gay que não se quer gay governador.

Não se trata de desqualificar a importância da declaração de Leite. Mas por que antes ele escondia essa condição, que até negou durante a campanha que o elegeu governador? E por que agora que decidiu abrir o coração na Globo, fez questão de inverter a subjetividade que o constitui ao dizer que é “um governador gay e não um gay governador”? Não é preciso ser conhecedor da obra de Umberto Eco ou versado em semiologia para perceber que governador gay e gay governador são coisas diferentes. O discurso aponta para uma ideia que diz: “Olha, sou gay, mas o povo hétero pode votar em mim também, tá?”, porque ficou muito claro que ele não tem nenhuma intenção de assumir a luta de resistência das causas humanitárias e que o seu anúncio feito em rede nazional, ops, nacional, após uma chamada que já o colocava como terceira via na sucessão presidencial, foi um ato oportunista, um balão de ensaio na luta da grande rede para encontrar o seu candidato. E por falar em semiótica, parece que tem tudo a ver essa conversa de terceira via colada a um possível candidato gay (mas nunca um gay candidato).

Com tudo isso, neologismos à parte, a política brazilis continua sendo definida em esquemas e tenebrosas transações (Salve, Chico!) feitas ao arrepio dos interesses do povo. Povo que tem que decidir entre cavalgar, ou melhor, pilotar em marcha acelerada rumo ao horizonte finito da terra plana ou retomar o rumo da sua própria história, interrompido pelo golpe parlamentar de 2016. E para os seguidores de Bolsonaro, a dica é já ir pensando no próximo messias. Dizem que a saúde do mito anda meio fraca. Andou passando mal na serra, soluçando, vomitando. Viver é muito perigoso…

Imagem copiada de https://bcharts.com.br/

¹https://sul21.com.br/noticias/geral/2021/07/mulher-e-presa-apos-protestar-contra-motociata-de-bolsonaro-em-porto-alegre/

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Ideologia, Imprensa, Mídia, Republicados

O chefe mandou*

Estivesse almejando obter grau de doutor, minha tese não poderia ser sobre a imbecilidade do criador da Mulher do Centroavante, posto que já falharia no quesito da originalidade. Também não é a primeira vez que eu falo deste sujeito por aqui. Parei de falar quando parei de ler. Hoje, porém, ao ler de passagem uma manchete do tabloide para o qual o jornalista e “escritor” David Coimbra trabalha, despertou-se a minha atenção, fazendo com que lesse a crônica do distinto “intelectual”.

O título é interessante e já deixa antever o teor do escrito: “A tal da elite branca”. E já começa entrando por cima da bola, pra usar uma expressão no clima da Copa. Diz assim: “Agora inventaram essa história de elite branca. Por favor. Uma das poucas vantagens que o Brasil realmente tem em relação a TODOS os outros países do mundo é a miscigenação. No Brasil, as etnias de fato se misturam, e o fazem com naturalidade.”

Ao dizer que “essa história de elite branca” é criação moderna, o cara que se propôs a escrever a história do mundo desconsiderou completamente a história do próprio país. Ou será que ele pensa que desde os 1500 a elite que dominou o Brasil era negra ou indígena? Ou, ainda pior, imagina o nosso insigne escriba que não há uma elite que domina o país? Pela amostra do pano, já se percebe que o cara escreve exatamente o que o patrão gosta que se escreva.

De acordo com o que diz o David, podemos depreender que aquela velha conversa do paraíso da democracia racial é verdadeira: “No Brasil, todos, japoneses, negros, alemães, anões, cafuzos, mamelucos, índios, brancos, azuis, todos são brasileiros.” O estranho é que um certo candidato ao Senado, talvez não por acaso colega de empresa, disse há poucos dias que há muitos índios que conseguiram evoluir e hoje são trabalhadores respeitados. O seu David contradisse o seu candidato, porque para este o índio precisa deixar de ser índio para ascender socialmente, então não é bem assim essa coisa de que todos são brasileiros.

Logo em seguida, toda a genialidade do cronista aflora, quando ele diz que o verdadeiro problema do Brasil é a discriminação social. Entende-se essa declaração se vinda de alguém que não deveria ter, por obrigação profissional, o dever de saber que a esmagadora maioria de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza no nosso país definitivamente não é da etnia que se pode chamar de branca. E diz ele que o que falta, na verdade, é oportunidade igual para todos. Ora, seu David, o senhor mesmo já se manifestou contrariamente à adoção da política de reserva de cotas com recorte étnico-racial. Decida-se, por favor! Se não há oportunidades iguais para todos, como o senhor mesmo reconhece, algo há que ser feito, certo? E nesse caso as cotas não servem? Parece, seu David, que o senhor quer que as coisas continuem a ser como eram, antes do processo de equalização social que se verifica no Brasil nos últimos anos, que é lento mas eficaz.

Tal qual uma metralhadora giratória, o cronista leva a questão para o futebol, quando também aí vai ser escancarado todo o seu ranço elitista (e não custa lembrar que ele é branco). “O ingresso do futebol é muito caro para o pobre. Oh! O ingresso para ver o Chico Buarque não é barato, nem o do show da Madonna, nem a entrada do cinema. Pelé não ganhava um milhão por mês. Fred ganha. Assim, ver Fred é mais caro do que era ver Pelé.”

Este é o argumento preferido dos que defendem o processo de elitização do futebol, pelo qual os torcedores oriundos das classes sociais menos favorecidas são alijados do direito de ver seu time no estádio: times bons são caros e, portanto, o ingresso deve ser caro. Não quero entrar nessa discussão específica, há muito material que desconstrói impiedosamente essa ideia nas publicações do Povo do Clube. Apenas quero dizer ao seu David Coimbra que o Chico Buarque não costuma fazer shows em estádios para milhares de pessoas, mas em teatros, numa lógica completamente diferente. Ainda assim, já soube de muitas apresentações do Chico a preços módicos e outras tantas com entrada franca. Já a Madonna, que lota grandes estádios mundo afora, proporciona um espetáculo bem diferente e menos frequente do que um jogo de futebol, inclusive com custos de produção muitíssimo mais elevados. Comparação infeliz esta, hein, seu David?

“A elite branca xingou a presidente. Quem garante que pobres e pretos não o fariam? Essa elite branca é ‘branca’ de fato? Existem ‘brancos’ de fato no Brasil? Será que existe mesmo essa divisão, pobres e pretos a favor do governo, elite branca contra? Esse é um governo só para pretos e pobres? Como é que se faz para conseguir um governo para todos?” Bah, seu David, não queria ter de precisar lhe explicar que a expressão “elite branca” é uma figura de linguagem. O senhor sabe disso, por certo, mas o chefe não lhe permite expressar ideia diferente, né? Talvez a dona do Magazine Luiza, que não é preta e nem pobre possa lhe dizer como é que se consegue um governo para todos.

E o seu David considera uma babaquice chamar a presidentA de presidentA e ainda diz que quem não acha isso estranho é um taipa. Caso encontrasse com ele, perguntaria se ele, que escreveu a História do Mundo em tomos, sabe quando a mulher brasileira adquiriu o direito ao voto; e qual a proporção de homens e mulheres em cargos de chefias nas empresas brasileiras; e se para exercer cargos iguais na iniciativa privada as mulheres recebem o mesmo salário que os homens; y otras cositas mas. Fica absolutamente claro que o seu David não entende nada – ou não quer entender – dos processos históricos que formaram a sociedade brasileira, eminentemente patriarcal e branca.

O penúltimo parágrafo escrito na coluna do seu David é um primor de manipulação, que faz um raio-x da maneira como a mídia podre, da qual ele é um expoente, costuma agir. A campanha do TSE, muito legítima, a propósito, visa a estimular a maior participação feminina na política institucional. E ponto! Ver além disso é querer passar uma imagem distorcida para a sociedade.

Sei que o David Coimbra tem sérios problemas de saúde, inclusive está nos EE.UU. Tratando da sua saúde. Não desejo (muito) mal a ninguém, por pior que seja, mas gostaria muito que a doença fizesse este cara refletir se vale mesmo a pena passar a vida, que pode ser bem curta, fazendo as vontades do chefe.

 

 

http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4531321.xml&template=3916.dwt&edition=24583&section=70

 

http://www.opovodoclube.com/

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 20/6/2014.

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América Latina, Drogas, Republicados, Uruguai

Mujica e os Corsos*

Não sou um conhecedor do trabalho da família Corso, Diana e Mário, mas em tudo que eu li deles – artigos e entrevistas, basicamente – pouca coisa me pareceu passível de contestação a partir dos meus conceitos. Sempre têm opiniões embasadas e uma característica que eu acho fundamental em qualquer escrito crítico: a isenção. Não isenção de ideologia, que esta não é algo que se possa encostar num canto para falar sobre qualquer assunto, mas isenção de paixões. Eles escrevem, principalmente a Diana, que eu já li mais, de forma desapaixonada, mas a despaixão de que falo, palavra que nem sei se existe, mas que se encaixa bem na ideia que quero expressar, não se refere ao trabalho da escrita em si, mas à capacidade de compreensão do tema abordado em todas as suas nuances, o que impede a crítica vazia e míope, a que estamos tão acostumados.

No Caderno Cultura da ZH do último sábado, na página 2, eles escrevem um artigo muito interessante sobre a polêmica questão da nova abordagem da droga adotada pelo governo uruguaio. Esse é um tema muito interessante, particularmente para nós, habitantes desta região sul do país, que muitas vezes nos identificamos muito mais com a Banda Oriental e, na contramão do imaginário popular brasileiro, até mesmo com os hermanos da outra margem do Rio da Prata, a ponto de termos certo orgulho de sermos muito mais castelhanos do que brasileiros. Outro dia mesmo, o Alemão Guazelli (http://alemaoguazelli.blogspot.com.br/) disse para o Demétrio Xavier, no Cantos do Sul da Terra (FM Cultura – 107,7) que pelo Brasil ele protesta nas ruas, mas pelo Uruguai pega em armas. Assim, tudo o que acontece por lá nos chama muito a atenção e o problema da maneira como as relações das pessoas com as drogas devem ser vistas pelos governos é algo muito atual e que rende muito debate (portador deve ter o mesmo tratamento que traficante?, viciado deve ser internado à força? etc.)

Não vou entrar com a minha opinião sobre o assunto, deixo isso para os comentários, se houver. Proponho, neste momento, que se leia com atenção o que têm a dizer pessoas com inquestionável habilitação para esse espinhoso tema.

“Fumaça e fogo – A maconha e o apocalipse – Projeto de legalização em debate no Uruguai é oportunidade para refletir sobre os mitos da droga

Por Diana Corso e Mário Corso

Para o gaúcho, o Uruguai é uma espécie de extensão territorial. Ele frequenta suas praias geladas e sua hospitalidade quente, além de achar que fala espanhol. Essa familiaridade não impede que lá usufrua da sensação de estrangeiridade, já que de fato é outra cultura. Entre as várias diferenças a se observar, está a idade média do uruguaio. Parece um país de velhos. Os anos de chumbo, aliados a uma longa crise, varreram gerações de jovens do país, quadro que só recentemente mudou. Portanto, não há motivos para crer que a liberação regulamentada da maconha, se for aprovada pelo senado uruguaio, vá transformar essa terra numa Woodstock permanente. Diria que o país é mais conservador do que o nosso quanto aos costumes. 

É bom esclarecer, pois o mero anúncio dessa possibilidade despertou uma onda de medo desproporcional. Muitas pessoas, em geral leigas nessa questão, vaticinam o pior. A questão das drogas facilmente abandona o patamar da razoabilidade: quando se trata de diferentes formas de gozo, a paranoia assombra o pensamento. Dividimos o mundo entre quem goza assim ou assado, o que pode e o que não pode, tememos desejos não catalogados e ainda não domados, o velho problema da tentação.

Sucumbimos ao pânico imaginário de que, se experimentadas, essas formas diferentes de prazer nos dominarão, ignorando que somos mais fracos na fantasia do que na prática. Torcemos os dados e as experiências para explicar nossas crenças de que gozos não admitidos põem em risco a civilização. O álcool e o cigarro não trouxeram o apocalipse, mas a maconha o faria; sexo livre após a pílula não nos jogou na devassidão, mas os homossexuais o fariam. O padre interior que (todos) temos é convocado a vociferar contra a decadência que estaria à nossa porta.

O que pode fazer possível essa nova postura do Uruguai frente à maconha é puro pragmatismo, buscando uma solução para o consumo endêmico da droga. Duas questões de fundo os auxiliam nessa decisão: a tradição laica do país é muito marcante, o que os religiosos pensa não pesa; segundo ponto: eles são mais críticos do que nós na importação do modelo americano de saúde mental, contaminado de um moralismo puritano, sob uma fachada científica. No Brasil, aderimos com entusiasmo a essas ideias que economizam variáveis e superestimam a influência química. Isso nos impede de buscar, como o país vizinho, alternativas ao modelo fracassado da tolerância zero e da criminalização de tudo que tem relação com as drogas.

O tráfico é uma hidra, podem cortar as cabeças que elas rebrotam automaticamente. Enquanto existir demanda e proibição, haverá tráfico. Tanto aqui como em lugares com polícias melhores. Temos a ilusão de que a repressão deixaria nossos jovens longe da droga. Isso não resiste a qualquer prova de realidade, qualquer um que queira fumar maconha consegue sem delongas. Apenas deixamos os usuários mais próximos de péssimas companhias e transformamos a droga em ótimo negócio.

O que o Uruguai quer fazer é parar de se enganar e encarar isso como uma realidade que precisa de outra abordagem. A maioria dos que fumam não quer parar e não se acha um drogado. Consideram que, se álcool e cigarro, drogas comprovadamente perniciosas, são livres, por que não a deles? E dizem mais: se nem todo consumo de álcool é alcoolismo, por que qualquer consumo de maconha seria drogadição?

A maconha está envolta em dois mitos. Primeiro: o de que seria uma droga leve, pelo fato de praticamente não fazer internações. Sim, mas como os efeitos não são agudos, ela pode fazer um estrago crônico. Não é sem consequências acostumar-se a anestesiar a vida, cortando a angústia produtiva que nos impulsiona e coloca questões. É bom lembrar que se pode fazer o mesmo também com antidepressivos e ansiolíticos tomados sem indicação correta. O outro mito é que ela seria uma porta de entrada para drogas mais nocivas. O contato com essa população, especialmente os que fazem uso recreativo e eventual, não nos dá margem para pensar isso. Aliás, várias vezes encontramos o contrário: quem usa maconha, o faz para ficar longe de outras, especialmente da cocaína, de maior potencial destrutivo. Se for para pensar em porta, o álcool de longe parece ser a mais escancarada.

Talvez o Uruguai tente sair desse conto da carochinha que o drogado é fruto de um simples encontro com a droga e que essa substância  é um canto de sereia que o captura para uma forma de gozo aprisionante e irrecusável. As pessoas não se tornam toxicômanas apenas porque as drogas existem, isso ocorre porque algo vai muito mal com elas, estão sem rumo e acima de tudo estão desencantadas com a própria trajetória e com a vida. As drogas são automedicações contra dor de existir. Tanto que as desintoxicações não funcionam se não houver uma retomada mínima de alguma significação para suas vidas. Sem a droga, apensa retornam às suas existências vazias, por isso tantos recaem.

A grande vantagem de demonizar algumas substâncias e culpá-las pela nossa miséria é a de nos colocar fora da equação. Enquanto pais, não precisamos nos confrontar com a educação falha, omissa ou vazia de sentido e valores que proporcionamos. Tampouco precisamos olhar para as drogas lícitas, largamente usadas e abusadas, mas que sendo “receitadas” seriam menos aditivas ou daninhas. Nem refletiremos sobre o preço que pagamos por viver numa sociedade baseada no consumo supérfluo, que acredita que a felicidade se compra com gadgets. A droga é apensa uma modalidade de consumo específica, mas o fundamento é o mesmo: exisitiria um objeto que possibilitaria um atalho para a felicidade. Ou seja, buscamos um sentido fora dos laços humanos para nos satisfazer. O drogado é um consumidor levado às extremas consequências. Dar todo esse poder a um objeto é uma mentira atraente, tão logo desmascarada pela urgência de continuar consumindo. Qualquer comprador conhece a sensação de saciedade triste, passada a novidade. Toxicômanos, o que não é o caso de todos os usuários de determinada substância, são apenas aqueles cuja vida se reduziu a muito pouco, a uma luta inglória contra o próprio vazio, uma sucessão interminável de encontros com seu objeto de obsessão, de saciedades, que deixam lugar a um buraco ainda maior. Por isso os drogados são descontrolados, porque sem esse encontro, e mais a cada novo encontro, descobrem-se nada, ninguém. O detalhe é que não se cai nessa tentação de reduzir-se a tão pouco sem sentir-se já previamente miserável de valores e de esperança. 

O pânico de que a maconha leve massas de jovens à drogadição se baseia na ignorância de que o que leva alguém a ser assim não é uma droga mais leve, consumida anteriormente, mas sim uma subjetividade de horizontes mínimos. A saída para quem se sente e espera tão pouco acaba sendo a de levar uma existência dedicada a esse prazer agniado, ao encontro dessa paixão simplória. Se partirmos do pressuposto de que essa tentação é tão irresistível para tantos, o leitor há de convir: o problema não são as drogas, somos nós.”

https://www.youtube.com/watch?v=lEXFhdy6zVI

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 20/8/2013.

Padrão
Ideologia, Imprensa, Mídia

Cidadania não é censura*

Na página 12 da zero hora de 15/07 está o editorial, intitulado por uma pergunta: “Democratização da mídia?” Atenção especial merece o aspecto semântico e o conteúdo subliminar deste aparentemente inofensivo ponto de interrogação, adicionado a algo que de certa forma anda funcionando como palavra de ordem de grupos bem articulados e verdadeiramente preocupados em mudar para melhor o país.  A partir do momento em que se transforma algo afirmativo em uma interrogação, naturalmente se está relativizando a importância e o conteúdo das palavras. Se fosse acrescentado um “será?” ao final, o sentido não se alteraria, pelo contrário, ficaria mais explícito (Democratização da mídia? Será?). Acontece que clarear as coisas, principalmente as intenções, não é o forte desse tipo de mídia.

A democracia é sempre uma obra inacabada. Até por isso tem que ser protegida da ação de pessoas comprometidas com ideologias autoritárias, que se fingem de vanguardistas para sufocar a liberdade de expressão.”

Pergunta 1: quem são as pessoas comprometidas com ideologias autoritárias, que se fingem de vanguardistas e ameaçam a democracia?

A resposta vem logo:

“Embora não seja uma demanda do país, mas sim de grupos minoritários movidos por ideologias fundamentadas no radicalismo, a chamada “democratização da mídia” tem aparecido secundariamente na pauta das manifestações que mobilizaram os brasileiros nas últimas semanas. Por conta de palavras de ordem plantadas por pseudolideranças avessas ao pluralismo de ideias e opiniões, alguns profissionais e veículos de comunicação, mais especialmente aqueles que têm liderança de mercado, têm sido inclusive hostilizados por manifestantes mais exaltados. Já se registraram em diferentes regiões do país casos de jornalistas agredidos, veículos incendiados e instalações vandalizadas _ atos que certamente não recomendam o modelo de “democratização” desejado pelos defensores da campanha.”

Aí vem todo aquele papo cansativo sobre liberdade de expressão – que certamente era a tônica no regime político que pariu a globo e suas sucursais – jornalismo responsável (hein?), e tudo mais, ou seja, aquele discurso pseudo-libertário, que comove os corações e trabalha as mentes dos leitores desavisados e, por que não dizer, daqueles que têm preguiça de procurar informação fora da mídia corporativa. Apresenta também números, querendo mostrar com eles que a distribuição dos espaços midiáticos e jornalísticos no Brasil é equilibrada e que não são poucos os grupos – ou famílias – que detêm o monopólio da imprensa. De tão ridículos, esses argumentos chegam a ser pueris e sequer é necessário muito aprofundamento para combatê-los, o que seria perda de tempo neste momento.

A questão aqui é outra: é preciso saber o que está por trás desse discurso, que mistura, como sempre, manipulação da informação, distorção dos fatos, acrescentada aqui de um visível temor por conta do que vem se tornando uma discussão séria no país, isto é, o controle social da mídia. É possível encontrar bons caminhos para uma resposta no artigo de Ranaud Lambert, publicado na edição de número 65 (12/2012) do Le Monde Diplomatique Brasil, sugestivamente intitulado “Abalos em uma passagem dominada por grupos privados – Na América Latina, governos enfrentam os barões da mídia”. O autor lembra que “Alguns meses antes de deixar o Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou um projeto de lei destinado a regular os meios de comunicação no Brasil. O texto propunha medidas de regulamentação de conteúdo, como a proibição da apologia ao racismo e à discriminação sexual, mas também de redução da concentração da propriedade no âmbito da comunicação, em um país onde catorze famílias possuem 90% desse mercado.” (Grifo meu.) A julgar pelo que reza o editorial do tabloide ora discutido, o jornalista que assina este artigo está mentindo, ou então há que se considerar essas quatorze famílias como representantes legítimas de todo o pluralismo jornalístico brasileiro. Não creio que um jornalista fosse escrever mentiras num órgão conceituado, como é o Le Monde, e muito menos que este órgão aceitaria publicar conteúdo inverídico. Também não acho que num país de 200 milhões de habitantes o número 14, por mais numerosas e ramificadas que possam ser essas famílias, seja muito expressivo.

Claro que Os meios privados protestaram contra um dispositivo considerado “autoritário” e suscetível a colocar a informação “sob controle político”.” E iam deixar barato? A consequência é que “Em janeiro de 2011, o projeto já estava enterrado. Mas Lula não deixou de ressaltar a questão que há anos ronda os governos da região: a liberdade de expressão pode existir sem um marco regulatório e decisões políticas que a afiancem?” 

E aí surge a pergunta 2: quem tem medo desse marco regulatório?

Quem responde, não por psicografia, é o finado Dr. Roberto Civita e a Dra. Judith Brito: “Há uma relação de interdependência indissolúvel entre democracia, meios de comunicação e livre mercado”, pondera Roberto Civita, diretor da revista Veja, a mais lida da América Latina (27 jun. 2012). Em resumo, defender a liberdade de expressão seria proteger a liberdade das empresas, a começar pela liberdade das empresas de comunicação. Mas o que aconteceria se o programa de governo que conduz um dirigente político ao cargo almejado ameaça os interesses do setor privado ou dos proprietários de meios de comunicação? Desde a chegada ao poder de dirigentes decididos a (tentar) virar a página do neoliberalismo e com o enfraquecimento dos partidos que tradicionalmente defendem as elites, os meios de comunicação latino-americanos parecem ter adotado uma missão que Judith Brito, diretora do jornal conservador Folha de S.Paulo, define nestes termos: “Já que a oposição está profundamente fragilizada, são os meios que, de fato, estão desempenhando esse papel” (O Globo, 18 mar. 2010). Com, às vezes, pouca criatividade.”

Pergunta 3: como se pode falar em imprensa livre quando a diretora de um dos maiores jornais do país diz abertamente que à imprensa cabe o papel de fazer uma oposição ao governo, porque, segundo ela, essa está muito enfraquecida?

A relação entre política e imprensa (leia-se mídia corporativa) fica escancarada pela informação trazida pelo autor, assim como desmontada resta a ideia da não existência de um monopólio nos meios de comunicação, defendida pela rbs: “No Brasil, onde os barões da mídia ocupam uma cadeira em cada dez na Câmara dos Deputados e uma em cada três no Senado, o grupo Globo detinha, em 2006, “61,5% dos canais de televisão” e “40,7% da difusão total dos jornais”. Com mais de 120 canais no mundo, a rede de televisão do magnata Roberto Marinho (cujo falecimento fez Lula decretar três dias de luto nacional em 2003) chega a mais de 120 milhões de pessoas por dia.”

O artigo traz ainda uma síntese da situação na América Latina, que pode ser melhor entendida a partir da compreensão da peleia do governo argentino com o grupo clarín, a globo dos hermanos. (Sobre isso, a propósito, cabe mais uma vez o alerta para que não nos deixemos cair na teia armada pela mídia podre. Procuremos os canais realmente interessados em informar, que estão invariavelmente na mídia alternativa.) Mais importante, contudo, é o alerta dado aos grupos que pretendem lutar por essa regulamentação e, consequentemente, pela efetiva democratização dos meios de comunicação, uma utilização e exploração verdadeiramente equilibrada dos espaços, e não essa ficção que o grupo da família (sempre uma família – máfia?…) sirotsky quer empurrar a fórceps:

“Esses esforços, contudo, ainda não deram os resultados esperados. Primeiro, em termos de pluralismo, porque esses novos organismos de imprensa [mídia alternativa] às vezes não resistem à tentação de compensar os desvios dos meios privados reproduzindo alguns deles de forma especular. Ken Knabb, pesquisador norte-americano desse fenômeno, observa que os militantes de esquerda “pensam, geralmente, que é preciso muita simplificação, exageração e repetição para contrabalancear a propaganda que sustenta a ordem dominante. Analogicamente, isso quer dizer que um boxeador zonzo porque tomou um gancho de direita recuperaria o equilíbrio graças a outro soco, de esquerda. 

Em segundo lugar, em termos de audiência. Um estudo recente do Centre for Economic Policy Research (CEPR) mostra que, entre janeiro de 2000 e setembro de 2010, a audiência dos canais públicos venezuelanos passou de 2,04% para 5,4%. Audaciosa, a reforma da Lei Geral dos Bancos de 2010 – inspirada em uma disposição similar da Constituição equatoriana de 2008 que proíbe os acionários de entidades financeiras de possuir meios de comunicação – sem dúvida não será suficiente para corrigir uma situação como essa.

Por outro lado, “já que supostamente nossa sociedade avança em direção ao socialismo”, questiona-se Aharonian, a Venezuela não deveria acabar com a atribuição de frequências e licenças de exploração do espectro eletromagnético aos interesses privados? “Não deveríamos imaginar, em vez disso, um único e grande espaço público […] regulamentado de forma a garantir sua utilização democrática?”

O artigo completo pode ser acessado em http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1309.

Bueno, como sempre há argumento pra tudo, alguém poderá dizer que o artigo é velho, ainda que tenha pouco mais de seis meses. Vejamos, então, o que se disse no último dia 16 (ontem!), durante a “Conferência Nacional  2003-2013: uma nova política externa”. O ex-Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (2009-10) e ex-Secretário- Geral do Itamaraty (2003-09), Samuel Pinheiro Guimarães, foi direto ao olho do furacão: “Democratização da mídia é prioritária para a defesa dasoberania.”, para depois explicar: “O controle dos meios de comunicação é essencial para o domínio da classe hegemônica mundial. Como esses meios são formuladores ideológicos, servem para a elaboração de conceitos, para levar sua posição e visão de mundo. Daí a razão da democratização da mídia ser uma questão prioritária”

Indo além, mais uma vez as palavras do diplomata contradizem absolutamente o editorial de zh: “O embaixador também condenou o fato de que um mesmo grupo possa deter emissoras de rádio e televisão, jornais e revistas – a chamada propriedade cruzada. Conforme Samuel, esta concentração acaba concedendo um poder completamente desmedido para alguns poucos divulgarem as suas opiniões como verdade absoluta. “Quando estados como a Argentina, o Equador e a Venezuela aprovam leis para democratizar a comunicação, a mídia responde com uma campanha extraordinária, como se isso fosse censura à imprensa”, lembrou.”

E aqui se toca num ponto nevrálgico: censura. Como disse o palestrante, a primeira argumentação de que lança mão a mídia corporativa quando se fala em controle social, é que se estará reativando a odiosa censura. Censura é uma palavra pesada. Quem viveu os anos de chumbo sabe bem do que se trata, e as novas gerações recebem, em geral, informações muito negativas, com razão, sobre a tal censura. E quando a palavra é associada à imprensa a coisa toma ares de tragédia. Lembram da grita geral quando da criação do Conselho Estadual de Comunicação Social no Rio Grande? Aqui mesmo já falei sobre o tema: https://oximarraoalucinogeno.wordpress.com/2012/08/14/conselho-de-comunicacao/  .

Pois um sistema que possibilite à sociedade – que se frise isto: à sociedade – exercer o controle sobre aquilo que circula nos meios de comunicação só pode ser considerado censura na visão dos grandes grupos, que certamente têm muito a perder com isso. Afinal, a quem se destina a comunicação social? Se a resposta é à sociedade, como o nome permite antever, não se sustenta o argumento da censura.

Nas palavras do palestrante, um conteúdo absolutamente em voga: Em função dos interesses da classe dominante, alertou o embaixador, a mídia hegemônica pode, sem qualquer conexão com a realidade, “demonstrar que um regime político da maioria é uma ditadura e realizar campanhas sistemáticas que permitam uma intervenção externa, com o argumento que determinado governo oprime os direitos humanos”. “Podem inclusive se aproveitar de manifestações pacíficas para infiltrar agentes provocadores que estimulem o confronto”, alertou.” Mas não é a descrição do quadro visto hoje no Brasil?

Acesso ao texto completo: http://www.cut.org.br/destaques/23490/samuel-pinheiro-guimaraes-democratizacao-da-midia-e-prioritaria-para-a-defesa-da-soberania.

Poderia trazer toneladas de escritos que mostram a importância fundamental de que se estabeleça uma política de controle da mídia no Brasil, mas não julgo necessário. Com o que se apresentou aqui já é possível, creio, estabelecer o contraponto entre os interesses e  as artimanhas da mídia corporativa, muito bem exemplificados no editorial de zh que abriu o texto, e o interesse social, que não pode mais esperar pela democratização da mídia. Não se trata de censura, apenas de cidadania.

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 17/7/2013.

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Imprensa, Jornalismo, Mídia, RBS, Republicados

Mercado padrão Mercado*

Não vou falar da minha relação com o Mercado, deixo isso pra outra hora. Quero falar, mais uma vez, da podridão que é essa rede bosta sul. No sábado, uma querida amiga me ligou pra dizer que o Mercado estava pegando fogo. A tv cão (nada contra os queridos cãezinhos) era a única a transmitir. Botamos lá. Bueno, é o fim do Mercado, foi o que pensamos. As imagens captadas pela aeronave dos capachos dos marinhos não deixavam dúvidas sobre a destruição total do prédio. Os apresentadores, capitaneados, a saber, por um narrador de futsal, diziam que 100% do prédio estava atingido e uma das repórteres, que estava lá perto, chegou a pedir pra que todos rezassem (só não disse pra quem…) pra que não fosse necessário derrubar o que restaria do Mercado.

A minha história com o Mercado, essa de que eu não vou falar agora, fez com que a emoção falasse mais alto e eu acabei entrando no clima de tragédia (não que não sido, mas…). A Patrícia entrou no facebook e comentou sobre posts que falavam em crime, especulação imobiliária etc. Achei exagerado na hora, mas quando no domingo vi que o dragão não tinha tantas cabeças assim, comecei a pensar nessas coisas.

Que interesse alguém poderia ter na destruição de um patrimônio histórico da cidade? O seu Thompson Flores pode baixar em alguma mesa espírita pra esclarecer isso… O fato é que o incêndio, trágico, obviamente, não foi nem de perto tão devastador como os caras daquela tevezinha quiseram mostrar. O que eles ganham com isso? Não sei, talvez algum amiguinho empreiteiro possa dar uma clareada. E eu não li, mas diz que a matéria do tabloide deles se preocupou com a roupa do prefeito e com o fato dele ter saído de casa sem janta pra acompanhar o trabalho dos bombeiros.

Os desdobramentos começaram já na noite de sábado: faltou água?; os bombeiros chegaram tarde?; de quem é a culpa pelo PPCI vencido?; e se houvesse pessoas lá dentro?; mas e o exemplo da kiss não serviu pra nada?; etc. etc. e tal.

Essa história vai longe, mas o que já se pode ver com ela é o péssimo serviço que essa rede miserável presta para o povo gaúcho. E a despeito do que pretende essa gente da rede bosta sul e os seus capachos, o Mercado está firme e forte e vai sobreviver mais alguns séculos “atrapalhando a evolução da cidade”, afinal, que belo xóping se construiria ali, hein?!…

P.S.: e não me venham com Mercado padrão fifa, porque eu quero o velho Mercado do aperto na Banca 26 e da erva buena da Palmeira que o Adão sempre me consegue na 33!

http://www.mercadopublico.com.br/

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 8/7/2013.

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