Há coisas que se ditas e sustentadas perante os círculos restritos da intelectualidade nacional são como verdadeiras confissões de práticas rituais ocultas, que condenam o herege à fogueira sem direito a apelação.
Ouse dizer que o Caetano Veloso não é tudo isso ou que as letras do Cazuza são fraquinhas. O martelo das feiticeiras vai baixar na tua pobre e ignorante cabeça, incapaz de ver a poesia que se esconde por trás de um codinome beija-flor.
Falar mal da produção cinematográfica nacional, então, é pena máxima. A não ser que o detrator seja o Arnaldo Jabor. Eu era fã do Zé do Caixão muito antes dos ianques o chamarem de Coffin Joe e o alçarem à condição de herói cult do underground nacional, mas definitivamente não gosto muito das fitas brasileiras (embora reconheça que haja filmes excelentes) e menos ainda do citado funcionário da rede bobo. E esse é o gancho que introduz o meu assunto.
Fiquei impressionado com a cara de pau desse sujeito na entrevista que está na página 4 do Segundo Caderno da ZH de hoje. Lá pelas tantas, o Marcelo Perrone, que é casado com uma grande amiga da Patrícia e é um cara inteligentíssimo, muito legal e que entende uma barbaridade de cinema (Coloradíssimo, também), faz a necessária pergunta:
“E como você avalia o cinema brasileiro?”
Diz lá o AJ:
“Para mim, a novela ‘Avenida Brasil’ é melhor do que muito filme que se faz no Brasil hoje. A dramaturgia das novelas e dos seriados tem essa capacidade de envolver o espectador. Eu já me sinto parte da família do Tufão (risos). É um melodramão [opa!] com um trabalho ótimo de direção, fotografia e de um elenco que faz personagens bem definidos e não apenas tipos. Essa novela também cumpre um papel fantástico de análise comportamental e política para compreender esse novo Brasil, a relação entre a elite e o subúrbio.”
O diabo (o do toque e não o do Exorcista) começou a me roncar nas tripas (obrigado, Jorge, pela expressão) e como ele incutiu desde piá na minha cabeça o hábito de tentar interpretar as coisas que leio, fui, antes de mais nada, saber alguma coisa sobre o termo “melodramão”. Botei no google e o corretor me alertou que o que eu queria dizer era “melodrama”. Tá, serve. Lá apareceu um monte de artigos e referências dizendo que se trata de um gênero teatral, surgido em blá, blá, blá. Bom, isso interessa pouco. A questão é que, como eu suspeitava, sempre há um ar depreciativo rondando o uso da palavra. E aqui falo de melodrama e não melodramão. De orelhada lembrei que a gente costuma chamar as porcarias que se vê por aí de melodrama. “Isso parece um melodrama mexicano”, “Fulano é muito melodramático”, e por aí vai. Ou seja, independentemente da origem da palavra, o uso comum fez dela um sinônimo de coisa ruim, fraca, de qualidade duvidosa. Mas aí não coisas não se encaixam na minha pobre e limitada cabeça. Como é que um melodramão, e o aumentativo serve para aumentar a conotação pejorativa, vai ser tão bom assim? Estranho isso, mas o próprio entrevistado se encarrega de derrubar qualquer estranheza na resposta seguinte.
Perguntou o Marcelo:
“Sua atividade como cronista oferece uma espécie de fortuna crítica sobre o Brasil das últimas décadas. Você pensa em voltar a filmar?
AJ: “Esses dias, fiz a conta: tenho 3,8 mil comentários gravados na Globo desde 1995.”
CORTA!! O cara presta serviços para a plim-plim desde os 90’s. Que valor pode ter um comentário seu sobre a novela das 9, que no meu tempo era das 8? Não bastava ter sido contraditório, enaltecendo a qualidade de algo que ele mesmo definiu como melodramão, tinha que ser tão comprometido com o patrão? Ele poderia ter pelo menos disfarçado!
Não quero ser mais inteligente que ninguém, mas um pouquinho de capacidade de compreensão eu tenho. Cadê a isenção nas palavras do seu Jabor? Ele deveria se abster de fazer esse tipo de coisa. Principalmente porque disse uma asneira de proporções gigantescas. As técnicas de massificação da tv dos Marinho são por demais sofisticadas para fazer a população brasileira se emocionar aos prantos com os dramas das mocinhas e dos vilões do horário nobre. Não acho que seja necessária a intervenção de um sujeito sobre quem paira a aura de intelectual para fazer o serviço de alavancar os índices de audiência. Não duvido que os filósofos de mesa de bar, que se orgulham de meter o pau na globo, mas não deixam de votar no paredão do Baita Bosta Brasileira, se sintam autorizados a reproduzir com autoridade a besteirada do A.J.
E tem gente que acha que no Brasil a gente não deve discutir política, sem perceber que é exatamente esse o jogo da mídia corporativa, que mantém tipos como esse Jabor e outros quetais.
E seguem todos felizes e contentes pela avenida brasil…
*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 10/8/2012.