bolsonarismo, Futebol, Política

Bet: que bicho é esse?

Na semana passada, o prefeito de Porto Alegre participou do programa Dus2 Podcast, apresentado pelos jornalistas Cristiano Silva e Geison Lisboa. Entre outras coisas, defendeu a liberação do Jogo do Bicho no Brasil. O argumento não é novo: o jogo é sério e os prêmios nunca deixam de ser pagos. Não conheço o suficiente dos meandros do Bicho pra saber se isso é assim mesmo, mas do pouco que sei, a corrupção não está no sistema de apostas propriamente, que, em última análise, trata apenas de sorte e azar, em que pese o que dizem os estatísticos, mas no submundo do jogo, que envolve violência extrema, tráfico (drogas, armas, influência), propinas, lobby etc. Não estou entrando no mérito da opinião do prefeito, se o jogo deve ou não deixar as sombras, isso é assunto pra outro momento. Quero pensar um pouco sobre outra situação que envolve jogos de azar.

Atualmente, vemos o universo do futebol dominado pelas casas de apostas. E elas investem alto. Despejam contêineres de recursos em publicidade nos programas esportivos e patrocinam 19 dos 20 clubes que disputam a série A do campeonato brasileiro neste ano. Alguns inclusive estampam o patrocínio na camisa. Mas que interesses movimentam esse mercado?

De João Havelange a Rogério Caboclo, a história de corrupção no futebol brasileiro é longa. Em 2005, numa das tantas vezes em que deixou de ser campeão brasileiro por fatores extracampo, o Inter foi vítima de uma rede de manipulação de resultados que dentro de campo beneficiou o Corinthians. O Timão, porém, era uma espécie de testa de ferro de um esquema sujo que de novidade não tem nada e muito menos acontece somente no terceiro mundo. Cruzando o oceano, nos anos 1980, o carrasco do escrete canarinho de 82, Paolo Rossi, foi condenado com outros atletas e dirigentes por participação em sistemas fraudulentos semelhantes. Já no século 21, ainda na Itália, a Vecchia Signora, Juventus, foi rebaixada de divisão no campeonato nacional pelos mesmos motivos. E falamos aqui de um dos berços da civilização ocidental. Fazendo o caminho de volta ao país do futebol, no campeonato brasileiro de 2020, que terminou em 2021, novamente o Inter foi prejudicado pela arbitragem e impedido de levantar a taça. Se naquele 2005 a fraude foi comprovada e assumida por alguns dos participantes, desta vez eu penso que a coisa tem alguma relação com os interesses em torno do mundo das bets. Mas é só uma hipótese. Por enquanto.

Engana-se quem pensa que isso só interessa ao espaço do futebol e, portanto, se restringe à esfera privada. Jogos de azar são proibidos no Brasil desde que a primeira-dama da época, 1946, esposa do presidente Eurico Gaspar Dutra, muito católica que era, entendeu que as apostas iam contra os preceitos divinos. O mandatário decretou e os cassinos foram para a clandestinidade. Toda uma época de glamour começou a decair. Na esteira daquelas coisas que só acontecem no Brasil, onde, por exemplo, a agiotagem é proibida, com exceção daquela praticada pelos banqueiros, alguns anos depois a única forma de jogo legalizada passou a ser administrada pelo governo, por intermédio da Caixa Federal. O que temos hoje, porém, é a abertura da concorrência com a jogatina oficial pela atuação das casas de apostas, que praticam jogos de azar amparadas por uma lei do final do governo golpista de 2016 e já na iminência do governo fascista de 2019: Lei 13.756/2018. Acontece que enquanto o serviço não é regulamentado, as operações financeiras do negócio são feitas fora do país, inclusive nos paraísos fiscais, para onde, a propósito, o ministro da economia costuma mandar os seus dólares. É dinheiro do povo brasileiro viajando para o exterior, lavadinho e (mal)cheiroso, livre, leve e solto.

Todo esse contexto aponta para algo daquela mistura que caracteriza as relações entre o público e o privado desde que o escrivão de Cabral por aqui passou, e que foi estudada por Sérgio Buarque de Holanda na primeira metade do século passado. Além da atuação representativa da letra B de bola das bancadas BBB do Congresso Nacional, a lei, que beneficia entidades privadas – e somente elas, porque nesse tipo de aposta o povo sempre perde -, passou pelo ministério atualmente chefiado pelo Paulo Guedes. Em dezembro de 2018, o presidente genocida (dito pela CPI e a ser avaliado pelo tribunal penal internacional), que é palmeirense mas torce pelo Flamengo, já tinha escolhido o seu superministro. Se não me falha a memória, e dificilmente ela me falha nesses casos, o mundo sabia quem seria o chefe da economia bolsonarista já bem antes da divulgação do resultado das urnas. Dizem até que isso até andou ajudando na vitória do capitão. Dessa forma, o acompanhamento e a “fiscalização” dos trabalhos desse novo sistema seria feito pelo Chicago Boy, e, consequentemente, os frutos da lei que libera a carpeta com grife começariam a ser colhidos na nova gestão.

O mundo do futebol de elite no Brasil envolve um mercado bilionário, que é gerenciado por uma das instituições mais corruptas da história do país e que sempre acaba conseguindo se esquivar de uma investigação aprofundada e séria pelos órgãos competentes. É nesse terreno fértil para negócios obscuros que atuam as casas de apostas. Com o aval do governo, elas despejam dinheiro em todos os segmentos do futebol, inclusive nos clubes, e exportam dinheiro brasileiro para o outro lado do Atlântico, numa história que se repete desde que os portugueses (os navegadores, não os técnicos de futebol) avistaram a nossa costa.

Sabemos da paixão do povo brasileiro pelo futebol. Tirando os clubes de aluguel, que existem para os empresários engordarem suas contas e os banqueiros garantirem o seu caviar, torcedores e torcedoras fazem muitos sacrifícios para acompanhar o time do coração. Que ninguém tenha a arrogância de dizer que isso é bobagem, porque a relação de uma pessoa com um time de futebol envolve coisas muito mais profundas do que se pode expressar na máxima pão e circo. O mundo do futebol mexe com o que de mais humano têm as pessoas, futebol envolve amor e vida. Muitas vezes de forma irracional, é verdade, mas não é só a razão que move o ser humano. Só que hoje tudo se resolve em e por interesses que nada têm a ver com esses sentimentos puros e genuínos que atravessam as gerações. É a mercantilização da paixão, a monetização (ah, o linguajar moderno…) do amor. Tudo está no pacote do futebol moderno.

De Aristóteles a Kant, passando pelos teóricos do conceito moderno de estado, não sei se algum estudioso conseguiria dar luz às implicações éticas imbricadas no tipo de relação que se estabeleceu entre clubes, federações, empresários, mídia, governo e casas de apostas. O que sei é que no dia em que se desvelarem as estruturas de funcionamento desse sistema, os criminologistas terão bastante trabalho.

*Imagem de destaque copiada de: <https://noticias.r7.com/economia/protesto-na-faria-lima-poe-guedes-em-nota-de-us-95-milhoes-08102021&gt;. Acesso em: 2 de dez. 2021.

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Futebol, Política

O futebol moderno: ou no tempo em que a coreia era coréia

O futebol é feito de fases. Na fase atual, os times não atacam e nem defendem: ou estão na fase ofensiva ou na fase defensiva. E o velho e bom contra-ataque, que por aqui já foi chamado de esquema “pega-ratão”, hoje é transição. Falando em esquemas táticos, são um caso à parte. Que coisa linda são os esquemas táticos! Que profusão de emoções provoca nos acadêmicos do futebol moderno passar horas debatendo a complexa e quase hermética matemática dos esquemas: 3-5-2; 4-4-2; – ah, que espetáculo! – ou um 3-6-1, com os três volantes fazendo a diagonal e o extrema esquerdo jogando na extrema direita e o extrema direito jogando na extrema esquerda pra confundir o adversário (e o próprio time…); que maravilha! Mas, atenção, esquema tático é uma coisa, modelo de jogo é outra, por favor, não confunda funda com bunda! Jogo de posição, modelo reativo etc. e tal não devem nunca invadir as conversas sobre esquemas táticos. Os manuais explicam isso direitinho. E se precisar tem vídeo no youtube. De minha parte, tenho grande curiosidade de saber como seria o esquema com esta escalação: Ivo, Alfeu e Nena; Assis, Ávila e Abigail; Tesourinha, Russinho, Vilalba, Rui e Carlitos. 1-5-5? 6-5? 1-10. Na verdade já sei: não seria.

O Gamarra não jogaria no futebol moderno. Pro futebol moderno não basta o cara ser o melhor zagueiro do universo, tem que ser construtor. E até onde sei o Gamarra não tem registro no conselho de engenharia. Mas todo mundo tem que construir no futebol moderno. Lembro quando o Inter trouxe o Oséas e a sua permanência no time se justificava porque ele fazia a parede como ninguém. E o Velho Cabral: Olha aqui ó, dispensa o centro-avante e contrata um pedreiro pagando bem menos. E naquela época o futebol nem era tão moderno…

Lembro também do tempo que atravessar bola na intermediária defensiva era motivo de gancho de 15 dias e que quando a bola era atrasada pro goleiro adversário a gente gritava: “APERTA QUE ELE ENTREGA!”. Hoje o jogador que não sabe trocar passes na frente da área pra atrair o adversário e abrir espaços e não entrega muito não serve: “Ele entrega pouco pro time”, dizem os entendidos do futebol moderno. E o box-to-box? Ah, o box-to-box!!! Chega a causar arrepios pensar num jogador que não saiba fazer o box-to-box. O volante, que já foi centro-médio e tinha só que manter a frente da área limpa, se não fizer o box-to-box não pode estar no time. Seja lá que diabos quer dizer box-to-box (deve ser algo pra não esquecer que o esporte é bretão).

Na hermenêutica do futebol moderno (o futebol moderno não vive sem hermenêutica) o gol é detalhe, mera consequência da maior posse de bola. Se o time tiver 95% de posse de bola durante os 100 e tantos minutos (sim, hoje o jogo não acaba antes dos 100, e isso não tem nada a ver com o saudoso Canal 100), pouco importa se ganhou por 1 a zero, com um frango do goleiro adversário, sem que o centro-avante tenha chutado uma única bola durante todo o jogo. Goleiro, aliás, que pode tomar frango a rodo; tem é que saber jogar com os pés. Se ele deixa a bola entrar bizonhamente na goleira é coisa pra se avaliar depois, o que interessa é que saiba trocar passe com o zagueiro (que deve ser construtor, nunca esqueçamos) e que contribua pra diminuir o espaço do adversário, possibilitando a fase ofensiva ou a fase de transição, que, como visto, já foram grosseiramente chamadas ataque e contra-ataque em tempos de antanho por quem não entende nada de futebol (moderno). Quando o goleiro toca cinco vezes mais na bola que o meia-armador (depois eu posso tentar explicar o que era isso antes do futebol moderno), os teóricos do futebol moderno entram em êxtase: “Este sabe jogar com os pés!” Tudo isso tem uma razão, que se explica pela análise do mapa de calor do camisa 9 (ou 38, ou 44, ou 171) pra ver por onde ele andou em campo e concluir se ele sabe ou não jogar sem a bola. A diferença entre mim e o Pelé é só a bola. (CABRAL, 199…)

No futebol moderno, ala, que já foi lateral e tinha que marcar o ponteiro, é extrema, que, como vimos, pode jogar na direita, na esquerda, no meio, tanto faz, assim como o ponteiro, que também é extrema. Ficou meio confuso? Não te preocupa, vou organizar as referências bibliográficas sobre o assunto e aí tudo vai ficar claro e cristalino. Voltando ao extrema (antigo ala, pré-histórico lateral), se ele não fechar pro meio (ou pro lado, ou pro outro lado, ou pra trás – pra frente, em direção à linha de fundo? Jamais!), pra abrir espaço pro volante – que também tem que ser empreiteiro, ops, construtor – dar aquele passe que quebra as linhas de defesa, pode ter certeza que não vai se criar. Mas se ele fizer isso direitinho, pode ter as próprias linhas quebradas (vulgo bola nas costas) o jogo inteiro que não tem problema nenhum, o importante é o esquema, ou melhor, o modelo (ou será que neste caso é mesmo o esquema?), e, afinal o goleiro está ali pra jogar com os pés. E, convém repetir, o que importa é a posse de bola.

Há algumas coisas no futebol moderno que obviamente estão fora das quatro linhas (ainda são quatro, né?). Hoje, quando o teu time fizer um gol, é prudente esperar alguns minutos pra abraçar e beijar aquele sujeito de quem há meio minuto tu queria morder a orelha e cuspir arquibancada abaixo (cuidado com os stewards, que os campos, desculpa, as arenas do futebol moderno estão cheias deles à espreita de qualquer deslize – nome feio nem pensar!). Sempre há chance do bandeira (assistente de arbitragem) levantar o seu instrumento de trabalho e mandar o lance pro VAR (acrônimo de Vamos Ajudar o Rubro-negro, embora alguns autores digam que se originou da ideia: vamos acabar com o futebol de VÁRzea). Vezes há em que o próprio interrompe o contra-ataque, ops, transição, pra chamar o juiz (árbitro principal) pra revisar se aquela pisada que o zagueiro (construtor) deu no pescoço do extrema (que fechava pelo meio) dentro da área foi proposital ou não. Aí, se não for contra o mengão (neste caso a orientação é deixar o var solenemente no vá(r)cuo), o juiz vai lá olhar e durante os próximos 18 minutos ficaremos esperando se foi pênalti ou não. Ou melhor, esperando se o juiz vai dar o pênalti ou não, afinal, a regra é clara mas tem que se interpretada, principalmente se o pênalti for contra o mengão. É tempo suficiente pra ir lá na copa – espaço que os antigos frequentadores chamavam de bar – comprar um cachorro-quente ou uma pipoca, gourmets, que no futebol moderno só se aceita coisa gourmet, e tomar uma ceva. Sem álcool, por óbvio, e de preferência que não seja Brahma, porque Brahma pode trazer reminiscências de tempos de outrora, quando se agradecia à Antarctica pela caixa de Brahma e o centro-médio marcava o meia-atacante. E quem sabe dá tempo até de ir no banheiro, que agora é limpinho e tem até sabão líquido. (Dizem que em algumas arenas se chama toilette e são oferecidos lencinhos umedecidos, mas isso pode ser intriga da oposição.) Na volta, talvez dê tempo até pra ouvir o narrador gritando goooooooool com aquela emoção toda, mesmo que o tento tenha sido anotado há mais de 15 minutos. Ah, importante dizer, ouvir o narrador pelo aplicativo, claro, afinal, radinho de pilha no futebol moderno? Nem pensar! Se o narrador estiver fazendo tubo, melhor ainda.

Outra coisa muito importante no futebol moderno é o marketing. O futebol moderno precisa estar sempre criando cases de sucesso, como camisas amarelas, cor-de-rosa a até pretas. O time há 100 anos é vermelho? Mi mi mi… Essas camisas, roxas, verdes, cor-de-laranja, serão, como se disse, cases de sucesso entre os clientes, que são o equivalente no futebol não moderno aos torcedores. Clientes, a propósito, que podem desfrutar de todo o espaço das arenas (antigos estádios) durante o match day. Se quiserem ou não entrar na arquibancada, quer dizer, cadeira, pouco importa, desde que consumam, consumam, consumam e, no final, consumam mais um pouco. (E.T.: dizem que em certos locais do high society das arenas, o drink é liberado, às vezes até na faixa.)

Por fim, o futebol moderno não admite modelos (ou seriam esquemas?) anacrônicos, idealizados por técnicos ultrapassados que pararam no tempo em que zagueiro e goleiro só tinham que defender a meta e que só por golpe de sorte, ou talvez pela surpresa causada por um sistema tão retrógrado, tenham sido capazes de conquistas mundiais. Não, de jeito nenhum!

Dizem que foi o futebol moderno que levou o acento da coréia.

*Imagem de destaque (Coreia) copiada de https://twitter.com/barrabrava_net/status/1334210367275282432, visitado em 12/6/2021.

E mais uma vez as mulheres mostraram como é que se faz.

Foto da seleção feminina copiada de https://esportes.yahoo.com/noticias/selecao-feminina-protesta-contra-assedio-sexual-antes-de-partida-192452154.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAAIzxlmz6q4olnlfjjs9EqGUKVGkt9rfrdKyVUBlxMmLqYDhUDR-V3sPAhblv40M9xJrvvdxMiLVLf0EmVW-FIvYTrPb-CUKi8IyTen0hufOAKaGuBQ-KazH1rsXvnJTIM3pNYQDLkMDevF8AxRzxB0ZbJZdGXSQZnyxgPtldbj0v, visitado em 12/6/2021

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Ideologia, Imprensa, Mídia, Republicados

O chefe mandou*

Estivesse almejando obter grau de doutor, minha tese não poderia ser sobre a imbecilidade do criador da Mulher do Centroavante, posto que já falharia no quesito da originalidade. Também não é a primeira vez que eu falo deste sujeito por aqui. Parei de falar quando parei de ler. Hoje, porém, ao ler de passagem uma manchete do tabloide para o qual o jornalista e “escritor” David Coimbra trabalha, despertou-se a minha atenção, fazendo com que lesse a crônica do distinto “intelectual”.

O título é interessante e já deixa antever o teor do escrito: “A tal da elite branca”. E já começa entrando por cima da bola, pra usar uma expressão no clima da Copa. Diz assim: “Agora inventaram essa história de elite branca. Por favor. Uma das poucas vantagens que o Brasil realmente tem em relação a TODOS os outros países do mundo é a miscigenação. No Brasil, as etnias de fato se misturam, e o fazem com naturalidade.”

Ao dizer que “essa história de elite branca” é criação moderna, o cara que se propôs a escrever a história do mundo desconsiderou completamente a história do próprio país. Ou será que ele pensa que desde os 1500 a elite que dominou o Brasil era negra ou indígena? Ou, ainda pior, imagina o nosso insigne escriba que não há uma elite que domina o país? Pela amostra do pano, já se percebe que o cara escreve exatamente o que o patrão gosta que se escreva.

De acordo com o que diz o David, podemos depreender que aquela velha conversa do paraíso da democracia racial é verdadeira: “No Brasil, todos, japoneses, negros, alemães, anões, cafuzos, mamelucos, índios, brancos, azuis, todos são brasileiros.” O estranho é que um certo candidato ao Senado, talvez não por acaso colega de empresa, disse há poucos dias que há muitos índios que conseguiram evoluir e hoje são trabalhadores respeitados. O seu David contradisse o seu candidato, porque para este o índio precisa deixar de ser índio para ascender socialmente, então não é bem assim essa coisa de que todos são brasileiros.

Logo em seguida, toda a genialidade do cronista aflora, quando ele diz que o verdadeiro problema do Brasil é a discriminação social. Entende-se essa declaração se vinda de alguém que não deveria ter, por obrigação profissional, o dever de saber que a esmagadora maioria de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza no nosso país definitivamente não é da etnia que se pode chamar de branca. E diz ele que o que falta, na verdade, é oportunidade igual para todos. Ora, seu David, o senhor mesmo já se manifestou contrariamente à adoção da política de reserva de cotas com recorte étnico-racial. Decida-se, por favor! Se não há oportunidades iguais para todos, como o senhor mesmo reconhece, algo há que ser feito, certo? E nesse caso as cotas não servem? Parece, seu David, que o senhor quer que as coisas continuem a ser como eram, antes do processo de equalização social que se verifica no Brasil nos últimos anos, que é lento mas eficaz.

Tal qual uma metralhadora giratória, o cronista leva a questão para o futebol, quando também aí vai ser escancarado todo o seu ranço elitista (e não custa lembrar que ele é branco). “O ingresso do futebol é muito caro para o pobre. Oh! O ingresso para ver o Chico Buarque não é barato, nem o do show da Madonna, nem a entrada do cinema. Pelé não ganhava um milhão por mês. Fred ganha. Assim, ver Fred é mais caro do que era ver Pelé.”

Este é o argumento preferido dos que defendem o processo de elitização do futebol, pelo qual os torcedores oriundos das classes sociais menos favorecidas são alijados do direito de ver seu time no estádio: times bons são caros e, portanto, o ingresso deve ser caro. Não quero entrar nessa discussão específica, há muito material que desconstrói impiedosamente essa ideia nas publicações do Povo do Clube. Apenas quero dizer ao seu David Coimbra que o Chico Buarque não costuma fazer shows em estádios para milhares de pessoas, mas em teatros, numa lógica completamente diferente. Ainda assim, já soube de muitas apresentações do Chico a preços módicos e outras tantas com entrada franca. Já a Madonna, que lota grandes estádios mundo afora, proporciona um espetáculo bem diferente e menos frequente do que um jogo de futebol, inclusive com custos de produção muitíssimo mais elevados. Comparação infeliz esta, hein, seu David?

“A elite branca xingou a presidente. Quem garante que pobres e pretos não o fariam? Essa elite branca é ‘branca’ de fato? Existem ‘brancos’ de fato no Brasil? Será que existe mesmo essa divisão, pobres e pretos a favor do governo, elite branca contra? Esse é um governo só para pretos e pobres? Como é que se faz para conseguir um governo para todos?” Bah, seu David, não queria ter de precisar lhe explicar que a expressão “elite branca” é uma figura de linguagem. O senhor sabe disso, por certo, mas o chefe não lhe permite expressar ideia diferente, né? Talvez a dona do Magazine Luiza, que não é preta e nem pobre possa lhe dizer como é que se consegue um governo para todos.

E o seu David considera uma babaquice chamar a presidentA de presidentA e ainda diz que quem não acha isso estranho é um taipa. Caso encontrasse com ele, perguntaria se ele, que escreveu a História do Mundo em tomos, sabe quando a mulher brasileira adquiriu o direito ao voto; e qual a proporção de homens e mulheres em cargos de chefias nas empresas brasileiras; e se para exercer cargos iguais na iniciativa privada as mulheres recebem o mesmo salário que os homens; y otras cositas mas. Fica absolutamente claro que o seu David não entende nada – ou não quer entender – dos processos históricos que formaram a sociedade brasileira, eminentemente patriarcal e branca.

O penúltimo parágrafo escrito na coluna do seu David é um primor de manipulação, que faz um raio-x da maneira como a mídia podre, da qual ele é um expoente, costuma agir. A campanha do TSE, muito legítima, a propósito, visa a estimular a maior participação feminina na política institucional. E ponto! Ver além disso é querer passar uma imagem distorcida para a sociedade.

Sei que o David Coimbra tem sérios problemas de saúde, inclusive está nos EE.UU. Tratando da sua saúde. Não desejo (muito) mal a ninguém, por pior que seja, mas gostaria muito que a doença fizesse este cara refletir se vale mesmo a pena passar a vida, que pode ser bem curta, fazendo as vontades do chefe.

 

 

http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4531321.xml&template=3916.dwt&edition=24583&section=70

 

http://www.opovodoclube.com/

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 20/6/2014.

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Política, Republicados

A Arena que não é pro futebol*

Nos últimos tempos, sempre que se fala em Arena neste Continente de São Pedro, a primeira ideia que vem à cabeça é a praça de esportes que está sendo erguida no Humaitá, que, paixões clubísticas à parte, parece ser uma obra muito bem construída. Entretanto, a minha preocupação atual é com outra ARENA, que se costuma grafar com letras maiúsculas.

Acho que todos devem saber, ou pelo menos deveriam, que a Aliança Renovadora Nacional – ARENA, congregou as forças “revolucionárias”, que a partir de 1964 implantaram no Brasil um sistema de trevas, conhecido como ditadura militar, anos de chumbo, regime de exceção etc. Pois esta ARENA era o partido o oficial do regime, que sufocou todas as outras manifestações ideológicas em qualquer nível. A saída para os contrários ao sistema linha dura era trabalhar na clandestinidade ou militar no partido de oposição autorizado pelo comando central da caserna, o MDB – Movimento Democrático Brasileiro. A partir do fim do regime autoritário, a ARENA dissolveu-se e gerou vários partidos, PDS, PFL, PP, DEM etc. O pluripartidarismo vigente no país permite (e até incentiva, em nome de certos interesses) o surgimento de partidos de programa e ideologia confusos, que geram alianças e apoios no mínimo esquisitos (Ana Amélia – PP, apoiando Manuela – PC do B). Essa confusão ideológica faz com que a divisão entre esquerda e direita soe um tanto quanto anacrônica aos meus ouvidos, embora ainda seja necessária, principalmente quando se pretende contextualizar as coisas.

De qualquer forma, no aspecto histórico, temos um partido, ARENA, que sustentou o regime repressivo, e que deu origem a diversas agremiações, dentro daquilo que o Brizola costumava chamar de “filhotes da ditadura”. Pois é esse partido que a jovem Cibele Bumbel Baginski, estudante de Direito da Universidade de Caxias quer reconstruir.

Quando ouvi as primeiras notícias sobre isso, não dei bola. Achei que era coisa de grupos neo-nazistas, neo-fascistas ou outros neos que andam por aí, que são perigosos, evidentemente, e precisam ser combatidos, mas que acabam não tendo o potencial necessário para um ato dessa monta. Todavia, a edição de 13 de novembro de 2102 do Diário Oficial da União, traz nas páginas 202 e 203 da Seção 3, a publicação do Estatuto da ARENA, que é um ato prévio ao recolhimento de assinaturas para a fundação de um partido. É isso mesmo, a guria publicou o estatuto do partido. Está lá, disponível para quem quiser conferir:

http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=13/11/2012&jornal=3&pagina=202&totalArquivos=240

Trabalhei durante um tempo na Biblioteca da Procuradoria Regional do Trabalho (cabe uma referência à excelente Bibliotecária, Sachi, para quem pedi auxílio para encontrar a publicação oficial) e sei que a publicação de uma matéria na imprensa oficial não é algo que se possa considerar muito barato. Há notícias que a Cibele levantou o dinheiro através de campanhas nas redes sociais. Isso mostra a força do projeto e aponta de forma inequívoca para o sucesso da empreitada.

Examinei o estatuto e destaquei alguns pontos sobre os quais acho interessante fazer algumas observações.

O artigo 1º define o partido e é, de certa forma, uma síntese de toda a proposta. O parágrafo 2º diz: “A ARENA possui como ideologia o conservadorismo, nacionalismo e tecno-progressivismo, tendo para todos os efeitos a posição de direita no espectro político, devendo as correntes e tendências ideológicas ser aprovadas pelo Conselho Ideológico (CI), visando a coerência com as diretrizes partidárias.”

A minha amiga Karen Pereira, jovem estudante, que eu conheço apenas pelo mundo virtual, me mandou um mail com um link para um texto de um professor de Relações Internacionais, Leonardo Dutra, publicado no clicrbs (http://wp.clicrbs.com.br/doleitor/2012/11/22/artigo-arena/?topo=13,1,1,,,13), que, entre outras coisas, diz o seguinte: “Apesar de despertar a repulsa de diversas camadas da atual sociedade brasileira acostumada à preponderância de ideias de centro-esquerda, a necessidade de representação do pensamento conservador é tão importante quanto a defesa da mudança na sociedade. É tão danoso para um país um governo de direita onde a esquerda é reprimida quanto um governo de esquerda, onde a direita não existe.”  E ainda: Como explicitado nos últimos pleitos, especialmente nas últimas eleições presidenciais, a inexistência de uma direita com representação política no país deixa sem voz uma parcela significativa da população, partidária da defesa da liberdade entre os cidadãos brasileiros, e pouco simpática ao atual esforço político no poder, que elegeu a igualdade como bandeira principal de seus programas políticos.”

Olha, embora não saiba em que instituição o professor leciona, creio que ele seja uma pessoa esclarecida e com condições de exercer o magistério. Entretanto, parece faltar-lhe uma visão mais acurada do panorama político brasileiro. Como ele pode dizer que o conservadorismo não está representado no país? Ali em cima eu falei apenas de alguns partidos de tendência reacionária. Examinando a composição das casas legislativas pelo Brasil afora, veremos que esses partidos representam uma parte muito significativa delas. O Rio Grande do Sul é representado no Senado por um parlamentar identificado com a esquerda (Paulo Paim), um com histórico de lutas sociais, mas que pertence a um partido que, não sendo o único, é hoje um verdadeiro balaio de gatos (Pedro Simon) e uma senadora direitista até a medula (Ana Amélia Lemos), defensora dos interesses da classe ruralista, que se elegeu graças ao poder do grupo jornalístico em que trabalhou a vida inteira, que não é outro senão a sucursal gaúcha daquele grande conglomerado que ajudou a sustentar o regime “revolucionário” de 1º de abril. Ou seja, um terço da bancada gaúcha do senado é de direita, o outro terço é indefinível e apenas um terço é claramente identificado com políticas marxistas. Fora isso, um dos parlamentares que mais tem espaço na mídia gaúcha é o senhor Onyz Lorenzoni, um dos caciques do DEM. E falo apenas do Rio Grande porque é a realidade que mais domino, mas no Brasil não é diferente, haja vista as pressões da turma do campo acerca do Código Florestal. Falta representatividade à direita? Por favor, professor… As palavras finais do trecho citado metem uma dúvida na cabeça: afinal, o professor acha mesmo bom a existência de um partido que represente os grupos pouco simpáticos “ao atual esforço político no poder, que elegeu a igualdade como bandeira principal de seus programas políticos.” Ora, a igualdade não é a aspiração máxima da sociedade? A quem, interessa, então, barrar um projeto que tem como finalidade aquilo que todos os brasileiros desejam e que é, inclusive, um dos primados da Constituição Federal?

Seguindo adiante no estatuto, vemos que o parágrafo 3º do artigo 1º prevê que “A ARENA, em respeito a convicções ideológicas de Direita,não coligará com partidos que declaram em seu programa e estatuto a defesa do comunismo, bem como as vertentes marxistas (…).” Até aí nenhum problema, a definição é plenamente coerente com os ideais do partido. O problema é o artigo 2º, que no item IV diz que a ARENA tem por objetivos “incentivar o desenvolvimento da cidadania, opinião crítica e social, a formação da personalidade dos jovens (…)” Tudo bem que não coligue com comunista, mas para estimular a opinião crítica e social é necessário que se apresentem de forma clara e isenta as correntes contrárias ao pensamento do partido, e qualquer um que ler com atenção o citado § 3º vai entender que ali está, nas entrelinhas, que o comunismo, o marxismo, a esquerda, enfim, não presta. Coerência: 0!

O item VI do mesmo artigo diz: “Resguardar a soberania nacional, o regime democrático e o pluralismo político de toda a forma de unanimidade de pensamento ou hegemonia política.” Desconfio que a moça e seus seguidores desconhecem o que aconteceu no Brasil entre 64 e 85. Como pode alguém pregar o pluralismo de ideias justamente tentando recriar um partido que elegeu o pensamento único como um de seus mais eficientes mecanismos de manutenção no poder? Tem algo errado aí…

Já na parte do Programa Nacional de Atuação, no item referente aos Direitos Humanos (?), o estatuto diz que o partido vai buscar a “Abolição de quaisquer cotas raciais, de gênero, ou condições ‘especiais’” Bueno, primeiro, falta esclarecer o que são condições “especiais” (está entre aspas no original). Há quem defenda (eu!) e há quem seja contra as cotas. Sem problema. Fica engraçado é quando uma pessoa é contra os programas sociais, propõe a (re)criação de um partido que tem entre seus objetos extingui-los, mas está na universidade por intermédio do PROUNI. Sim, meus amigos, a guria é beneficiária do PROUNI e acha que não tem nenhuma contradição nisso. Eu é que não entendo nada de nada mesmo…

Logo em seguida, o partido defende a maioridade penal aos 16 anos, outro tema polêmico, que não vou abordar agora, e abre um campo para falar de Educação e Cultura. Aí eles querem o “Retorno ao currículo escolar das disciplinas de Educação Moral e Cívica e Latim.” Eu e muitos dos que vão ler este meu escrito, frequentamos o colégio na época da ditadura. Na faculdade, ainda como resquício do governo dos milicos, estudei Realidade Brasileira, que era o nome novo de Estudos de Problemas Brasileiros. Sobre o que eu vi na faculdade, desnecessário falar, porque na época eu já tinha melhores condições de discernimento. Mas na Moral e Cívica eu “aprendi” que o amor à pátria é um “sentimento” imposto e obrigatório, não uma manifestação espontânea; “aprendi”, também, que a família é a célula nuclear da sociedade. Será que a nova Moral e Cívica vai aceitar as uniões homoafetivas como famíliase, portanto, células nucleares da sociedade?

Sobre o Latim, vejam o que disse um dos comentadores do texto do professor, citado ali em cima: “Exceto pela aula de latim (base para entender não só o português corretamente mas também o italiano, francês, espanhol e quiçá o inglês), de resto é puro nonsense.” Gostaria que essa pessoa explicasse um pouquinho melhor o que é entender corretamente o português e no que o latim pode ajudar nessa tarefa. Salvo se o cara pretende ler o Camões ou as coisas escritas antes dele, o latim vai ajudar muito pouco a entender a(s) língua(s) portuguesa(s) falada hoje no Brasil. Ressalvados, é claro, os interesses científicos, como os dos linguistas, mas isso é outra conversa. Talvez para entender este “quicá”, que só ele ainda deve usar, talvez para isso o latim também deva servir. De resto, para estudar inglês, olha, o latim está para o inglês moderno (acho que é esse que interessa, né?!) assim como o bacalhau está para o vatapá. Aliás, essa me lembrou uma que o Doutor Cláudio Moreno me disse em resposta a uma crítica que fiz a uma das suas colunas, há alguns anos: “Essa foi de fazer chorar bacalhau em porta de venda!”)

Por fim, na parte destinada à Soberania Nacional, a “nova” ARENA entende que é necessário “reaparelhar as Forças Armadas, tirando-a do seu sucateamento e pouco efetivo.” A moçoila acha que a caserna está mal equipada e com pouca gente? Fico com medo do que ela dirá se um dia entrar num posto de saúde do SUS…

Bueno, já falei demais. Vou deixar que vocês reflitam sobre essa coisa toda. Antes de encerrar, porém, quero dizer que tive a oportunidade de ler, há alguns dias, o relatório da CPI que apurou a morte do sargento do Exército Manoel Raymundo Soares, que, em 1966, apareceu boiando perto da ponte do Guaíba, com as mãos amarradas pra trás, o que fez com que o episódio ficasse conhecido como “O caso das mãos amarradas”. É considerado o primeiro crime cometido pela ditadura oficialmente reconhecido (não pelos homens da farda, claro, porque eles nunca cometeram nenhum crime). O documento é impressionante, e eu posso falar mais em outra ocasião, mas quero destacar apenas um pequeno trecho, que diz muito sobre o partido que dona Cibele quer trazer de volta. Na época da CPI, que aconteceu antes da instituição do AI-5, logicamente, uma comissão do Instituto dos Advogados do Brasil foi examinar algumas instalações do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e a Ilha do Presídio, onde o sargento Manoel passou mais ou menos cinco meses, e de onde o seu corpo foi arremessado nas águas do Jacuí. O relatório do IAB, enviado à Procuradoria Geral do Estado, atesta, entre outras coisas, que “Nos campos de concentração da Alemanha nazista matava-se com mais humanidade os judeus que eram remetidos às Câmaras de Gás de que o infeliz sargento que foi jogado às águas encapeladas e frias do Rio Guaíba, do sombrio agôsto [grafia original]. A êste [idem] foi primeiro ministrado o ‘tratamento prévio’ que durou de março, data da prisão, a agôsto, data de sua morte.” (Série “Memórias do Parlamento”, agosto de 2011.)

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 27/11/2012.

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Esportes, Imprensa, Jornalismo, Republicados

Ouro de Tolo (Será?)*

Esperei o fim da olimpíada para escrever um pouquinho sobre o assunto.

Começo dizendo que a virada das gurias do vôlei em cima da Rússia foi uma das coisas mais emocionantes que eu já vi no esporte, com exceção dos jogos históricos do Inter, é claro, mas isso é conversa pra outro blog (interdetodos.blogspot.com). Assim como também me emocionei ao ver um pódio formado por três jamaicanos. Um tapa na cara de quem acha que a Jamaica é só a terra da Grace Jones! E sempre me emociono quando vejo atletas de países pobres, principalmente os africanos, no pódio, e mesmo só pela sua participação, e aqui chamo o Brasil e faço o gancho para o que eu quero falar.

Lá pelas tantas, no meio das competições, antes de um jogo da seleção masculina de futebol, ouvi um comentário do Edegar Shimidt dizendo que o Mano Menezes andava preocupado com a pressão sofrida pelos jogadores por uma medalha de ouro, diante do “fracasso” dos outros esportes.

Em 07 de agosto saiu no Blog do Prévidi uma postagem com o seguinte título: “FIASCO”. Ele começa dizendo: 

Os governos brasileiros jamais deram bola para os esportes – exceção para o futebol.” 

Depois o cara se contradiz:  

O Governo coloca milhões e mais milhões nesses atletas e os resultados são pífios.”

E encerra com esta pérola:

“GOSTARIA DE SABER QUANTO O GOVERNO BRASILEIRO INVESTE NESSES “ATLETAS”??
NA MAIORIA, UNS INÚTEIS!!

Assim mesmo, em letras garrafais e negrito.

Eu botei um comentário lá dizendo que inútil era o comentário dele. Em 10 de agosto ele disse: 

Tem alguns leitores que não gostaram do meu Bom Dia de terça passada, “Fiasco”, sobre as participações dos brasileiros em Olimpíadas.
Fiz uma pergunta fundamental: Apenas nesse século, o que o Governo federal gastou com os atletas? O que Eletrobras, Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e muitas outras estatais gastam por ano – não apenas com os atletas, mas os patrocínios nas TVs, que “incentivam os esportes olímpicos”?Ora, por favor, os resultados são pífios.Para terem uma ideia, até hoje de manhã, os Estados Unidos conquistaram 90 medalhas. Apenas nesta Olimpíada.De 1920 até hoje o Brasil conseguiu um pouco mais de 100 medalhas!!Não é um fiasco?Fiz uma pergunta fundamental: Apenas nesse século, o que o Governo federal gastou com os atletas? O que Eletrobras, Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e muitas outras estatais gastam por ano – não apenas com os atletas, mas os patrocínios nas TVs, que “incentivam os esportes olímpicos”?Ora, por favor, os resultados são pífios.Para terem uma ideia, até hoje de manhã, os Estados Unidos conquistaram 90 medalhas. Apenas nesta Olimpíada.De 1920 até hoje o Brasil conseguiu um pouco mais de 100 medalhas!!Não é um fiasco?”

Está tudo lá em previdi.blogspot.com.br, para quem quiser conferir.

Vamos examinar essa questão com um pouco mais de cuidado.

A declaração atribuída ao Mano, cuja autenticidade não posso atestar, pois ouvi de terceiro, é simplesmente ridícula. O futebol masculino é o único esporte que deve obrigatoriamente trazer a medalha de ouro para o Brasil. E há diversas razões pra isso. O Brasil é uma verdadeira fábrica de jogadores (isso talvez até atrapalhe um pouco, mas não deveria). Enquanto as outras seleções são, em regra, formadas por jogadores ainda não suficientemente experimentados, em função do limite de idade, o Brasil leva praticamente o que tem de melhor. Neymar, Oscar, Damião, Sandro, etc., são jogadores da seleção principal. A CBF oferece uma estrutura que duvido alguma outra confederação ofereça. Os salários são milionários. Ou seja, eles só tem que se preocupar em jogar futebol. E embora eu tenha dito que o ouro é obrigação, a derrota até poderia acontecer, é do jogo, mas nunca nas condições em que ela invariavelmente acontece, com uma tremenda badalação em cima dos jogadores e tudo mais. Isso que desta vez a plim-plim nem tinha tanto acesso. É preciso dizer ao seu Mano Menezes que essa estratégia de se vacinar dizendo que há muita pressão em cima dos jogadores é muito batida. Eles são muito bem pagos e muito bem tratados para suportar essa pressão. Além do mais, falar em fracasso dos outros esportes, se é que ele realmente falou isso, é, no mínimo, um pouco de falta de ética. Também não sei se ética é o forte do técnico canarinho, porque depois que sucumbiu aos encantos do Corinthians e da máfia da CBF ele mudou radicalmente a sua postura, mas isso também fica pra outra hora.

Vamos ao seu Prévidi. Ele diz que os governos jamais deram bola pro esporte e depois afirma que o governo coloca milhões e mais milhões nesses atletas, que ele chama de inúteis. Alguém entendeu o que ele quis dizer? Ou o governo investe milhões e mais milhões ou não dá bola. As duas coisas são excludentes.

Adiante ele diz que a Caixa Federal, O Banco do Brasil e outras estatais investem fortunas no esporte olímpico. Só que ele não diz pelo menos por cima o quanto seria essa fortuna. Perguntei isso em um comentário, já que ele é tão bem informado, e não obtive resposta. Seria bem mais fácil fazer uma análise do desempenho dos atletas, se foi ou não satisfatório, sabendo quanta grana eles recebem. Se é que recebem, porque todo mundo sabe que os caminhos percorridos pelos recursos destinados a algum setor no Brasil são por estradas muito escuras, o que faz com que muito se perca pelo caminho. Basta perguntar o que se fez da dinheirama arrecada pela finada CPMF, que deveria financiar a saúde.

Quanto aos atletas, entendo eu que com exceção do citado futebol masculino e de alguns esportes de elite, praticados por gente de classes sociais privilegiadas (iatismo, hipismo, tênis), os que chegam a uma olimpíada são vencedores só por isso. Quando eles sobem ao pódio, independentemente do metal, são verdadeiros heróis nacionais. Disseram que o Cielo fracassou, conquistando “só” o bronze. Como “só” o bronze? Esse bronze quer dizer que ele é o terceiro melhor do mundo naquela modalidade! Isso é pouco? Então, tá, e qual foi a diferença entre ele e o primeiro colocado? Tão pequena que a gente não consegue nem contar a fração de segundo que o separou do ouro.

Os atletas dos esportes menos privilegiados fazem esforços astronômicos para chegar a uma olimpíada. Economizam anos a fio, treinam em condições bem adversas, se privam de muita coisa pra chegar lá. Quanto desse dinheiro fabuloso referido pelo seu Prévidi chega realmente nos centros de treinamento? Eu tenho certeza que é muito pouco.

Durante um curto período que antecede os jogos e enquanto eles estão acontecendo, a mídia pinta uma fantasia muito bonita. Quando um atleta de quem não se esperava nada (considerando que chegar à olimpíada pra essa gente é nada) ganha uma medalha de ouro, se fala em incentivo para os atletas jovens, patrocínios, etc., etc. etc. Passada uma semana da festa de encerramento, lá estão os caras treinando nos seus clubes e em geral pagando pra isso. E o investimento milionário? Deve andar em algum bolso ou bolsa por aí. Quem sabe alguma cueca?…

Vamos ver que espaço o seu Prévidi vai dedicar nos seu prestigiado blog aos esportes olímpicos nos próximos quatro anos.

Enquanto isso, na Jamaica…

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 16/8/2012.

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Arte, Cultura, Filmes, Música, Raul Seixas, Republicados

O diabo é pai do rock*

Na última quinta-feira, enquanto no Rio de Janeiro o Inter reescrevia a crônica de uma morte anunciada, eu, que já li esse livro outras vezes, fui com a Patrícia ao cinema ver o filme do Raul.

A minha relação com o Maluco Beleza começa lá no final dos anos 70, começo dos 80, quando a minha mãe me falou de duas músicas dele que ela adorava: “Eu nasci há dez mil anos atrás” e “O dia em que a terra parou”. Aí eu pedi pra ela comprar um disco dele pra mim e enlouqueci. Comecei a colecionar tudo o que se referia ao Raul, principalmente notícias e matérias de jornais e revistas. Só que eu conhecia bem poucas músicas, só aquelas do disco que eu tinha, porque naquela época não tinha outro jeito de escutar músicas que não fosse comprando os discos ou ficar esperando o dia inteiro pra que a rádio tocasse alguma. Isso era o que eu pensava, mas tinha outro jeito, sim. Descobri que indo na Pop Som ou na Discoteca, ali na Galeria Chaves, a gente podia ouvir os discos com os fones que eles botavam nos toca-discos. Claro que os caras não gostavam muito quando a gente ia lá ouvir e não comprava nada, mas como eu pego amizade fácil, virei camaradinha (eu era um piá!) dos caras e eles me deixavam ouvir. Mas não muito tempo. Quando eu comecei a trabalhar, a coisa ficou melhor, porque eu pude começar a comprar os discos. Comprava um a cada mês mais ou menos. E como era a época das fitas K7 (as melhores eram TDK de chromo, caras pra caramba), eu descobri uma espécie de negócio. Ficava ouvindo os programas das madrugadas da Ipanema, que na época ainda não era Ipanema, que tocavam umas coisas meio raras pra época, como um show do Jethro Tull ou um pirata dos Beatles, muito mal gravado, por sinal. Então eu gravava isso nas fitas, no nosso (meu e do meu irmão – mais dele do que meu) Conjunto Junto Polyvox, que tinha controle do nível de gravação nos dois canais e possibilitava fazer fade outs quando a fita estava acabando antes da música terminar, e trocava por discos com os caras das lojas, na Free Som ou na Flora Discos, ali debaixo do Viaduto da Borges. Assim eu consegui montar uma razoável discoteca, que incluía, é claro, os discos do Raul, até umas raridades, como o Raulzito e os Panteras, ou o 20 anos de rock.

Falei isso tudo pra dizer que não esperava encontrar nenhuma coisa que eu já não soubesse no filme. E de fato não encontrei, mas mesmo assim o filme é ducaralho*. Não vou fazer muitos comentários, porque acho que todo mundo deve ir ver pra entender o que é um verdadeiro artista, ou melhor, pra usar uma figura mais adequada, o que é um verdadeiro rocker. Principalmente diante de tanto pastelão que a gente vê por aí hoje em dia. Apenas acho que o Caetano Veloso aparece demais. (A propósito, aparecer é o que ele mais gosta…) A relação dele com o Raul foi muito conturbada. Assim como foi com o Gilberto Gil, com o Belchior e com outros ícones da MPB. “Acredite que eu não tenho nada a ver com a linha evolutiva da música popular brasileira…”

Vão ver o filme. É obrigatório!

*O Caetano fala no filme de um dia em que ele foi no camarim depois de show do Raul com o Marcelo Nova. Ele chegou lá, abraçou os dois e disse o clássico “foi lindo”. Sobre isso, uma vez o Marcelo Nova disse que assim que o Caê (!) saiu, o Raul falou pra ele: “se esse merda entendesse o espírito da coisa, ia entrar aqui e dizer que o show foi ducaralho, mas pra ele foi lindo.” Esse era o Raulzito!

Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 14/5/2012.

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Memórias, Porto Alegre, Republicados

Eu gostava mais quando as chuteiras eram pretas*

Era bem melhor quando a gente voltava do colégio sozinho, almoçava, descansava, fazia os temas e saia pra jogar bola ou andar de carrinho de lomba até anoitecer. O pai e a mãe não se preocupavam se a gente passasse a tarde sem aparecer em casa. E nem tinha celular…

Naquela época não tinha internet, ou seja, o mundo não estava ao alcance de um dedo. Em compensação, as pesquisas do colégio eram feitas à base de LEITURA, na Biblioteca Pública.

Aonde eu morava existiam as gangues, que na época a gente chamava simplesmente de turmas. A Turma da Bonze, a Turma da Caixa, a Turma da Matriz. Brigavam de soco e chute (antes do Alex Thomas), mas não passava disso. Drogas eram o loló, talvez alguns comprimidos com uísque, maconha. Não que isso fosse bom, mas se comparado ao inferno do crack e dos horrores dos assassinatos combinados pelas redes sociais…

Música chiclete era Amado Batista, Odair José. Bem diferente de certos michéis e ivetes que andam por aí.

Não vou falar de panorama político. Ditadura/Democracia pode ser tema de outro post, mas era bem mais legal quando os times iam do 1 ao 11.

E as chuteiras eram pretas…

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 26/4/2012.

 

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