bolsonarismo, Direito, Política

O que(m) diz o direito?

No mundo do direito penal, nada é a priori. Melhor dizendo, nada é simplesmente por ser. Qualquer coisa que seja, apenas passa a ser, no ordenamento jurídico, após uma atribuição. Não quero escrever um tratado de ontologia, ou melhor, quero, só que por razões evidentes não vou fazer isso, mas o que parece ser um conceito complexo, cheio de abstrações filosóficas, como linha geral é bastante simples e até óbvio, estando expresso no princípio que diz que não existe crime sem lei que previamente o defina.

Um grande amigo, Diego, me apresentou uma nova teoria do direito penal, mais especificamente sobre a questão dos delitos, que trata de coisas como que tipo de conduta é considerada crime, quando se pode exigir a aplicação da pena, quando se trata de dolo e quando é culpa, enfim. Essa teoria, desenvolvida por um sujeito chamado Vives Antón, e defendida no Brasil principalmente pelo procurador de justiça e professor no Paraná Paulo César Busato, atribui importância decisiva à linguagem nas conceituações de delito. Não vou entrar em maiores detalhes, inclusive porque não os tenho, já que recém tive o primeiro contato com a tese, que pretendo aprofundar. Entretanto, o pouco que vi fornece chaves importantes para entender algumas coisas que acontecem no braZil de Bolsonaro.

A mais superficial das análises vai mostrar que Daniel Silveira foi condenado por atos que foram, são e serão iguais em gravidade ou até menos graves do que os que os bolsonaros praticam há muito tempo. E esses atos, ou melhor, essas práticas, estão definidas como crime, tipificadas, para usar o jargão jurídico. Por que, então, o deputado marombado recebeu punição e os membros da família não? Claro que uma das explicações passa pela advocacia privada que o clã tem na PGR. Mas não é só isso. Há uma adequação da norma a cada caso, mesmo que esta seja pré-definida. Isso é típico da aplicação do direito e de fato assim deve ser, pois do contrário a administração da justiça se daria de forma autogestionada, bastando a existência da regra. A prerrogativa de interpretação da norma jurídica pelo órgão julgador, porém, enseja distorções gritantes. Eduardo Bolsonaro pode dizer que para fechar o STF não precisa de jipe nem de oficiais, mas Daniel Silveira não pode defender o fechamento do mesmo tribunal; Jair Bolsonaro pode subir em palanque, fazer ameaças e dizer que não vai cumprir as decisões da Corte, mas Daniel Silveira não pode deixar de carregar a bateria da tornozeleira eletrônica. Há uma clara flexibilização do princípio que diz que todos são iguais perante a lei. Tudo passa, então, pela interpretação das normas, que varia de acordo com quem as interpreta e, fundamentalmente, com o sujeito a quem elas serão aplicadas. Nos exemplos dados, é evidente que o neocomunista Alexandre de Moraes, consagrado constitucionalista, portanto conhecedor dos princípios do direito, sabe bem que uma coisa é condenar um inexpressivo deputado, usado como boi de piranha pelo sistema, e outra bem diferente é sentenciar o presidente da república ou um membro da família real (para evitar incômodos: a expressão família real contém ironia).

Para trazer outro exemplo, vamos lembrar o impeachment da presidenta Dilma, que teve como base a tal pedalada fiscal, que ninguém sabe direito explicar o que é, mas que todos/as, ou pelo menos quase todos/as que ocupam as chefias dos executivos, nas três esferas administrativas, usam e reusam. Por que Dilma foi impedida e outros/as não? Interpretações diferenciadas da norma. E, para evitar problemas, tão logo a presidenta foi afastada do cargo pelo golpe jurídico-parlamentar, a lei que trata das pedaladas fiscais, e consequentemente a sua interpretação, foi alterada.

Em outra situação, recentemente, a CPI(zza) elencou uma série de crimes de responsabilidade praticados por Jair Bolsonaro, alguns dos quais são reconhecidos até por organismos internacionais. Entretanto, o presidente da Câmara, a quem cabe abrir ou não um processo de impeachment, dá uma interpretação muito peculiar a cada um dos mais de cem pedidos de abertura de processo, muitos deles anteriores aos trabalhos do Senado, conferindo um destino único a todos eles: gaveta. Do mesmo modo, o Procurador-Geral da República, que tem a função institucional de autorizar procedimentos investigatórios contra o presidente, tem uma interpretação única sobre todas as notícias que chegam às suas mãos contra Bolsonaro, mesmo as que vêm diretamente do Supremo: Jair é inocente, arquive-se.

Outro caso marcante é o que envolve o ex-juiz, ex-ministro e ex-presidenciável, Sérgio Moro, cujos esquemas de interpretação da lei são tão particulares que permitiram que ele, apesar de magistrado, comandasse, segundo suas próprias palavras, uma operação judiciária que tinha o objetivo de suprir uma falha das forças políticas, aniquilando um partido e impedindo um candidato de concorrer à presidência da república. Hoje já foram lançadas luzes sobre a farsa judiciária chamada Lava Jato, mas as consequências funestas dela ainda estão surtindo os seus efeitos no governo protofascista que ela ajudou a levar ao Planalto. O mesmo Sérgio Moro, que abandonou a magistratura para se dedicar à política, disse, já como ministro do (des)governo cuja eleição foi por ele garantida, que, em alguns casos, basta o arrependimento para que se tenha o perdão. E assim o súper ministro Onyx Lorenzoni está legitimado a se lançar ao governo do Rio Grande do Sul, mesmo depois de ter confessado, em meio a um choro compungido, que fazia caixa 2. Para ilustrar essa flexibilidade interpretativa do comandante da Lava Jato, é interessante lembrar o que ele disse em 2017, na Universidade de Harvard: “Temos que falar a verdade, caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Corrupção em financiamento de campanha é pior que desvio de recursos para o enriquecimento ilícito”. (Fonte: https://sul21.com.br/ultimas-noticiaspolitica/2018/11/moro-sobre-caixa-2-de-onyx-lorenzoni-ele-ja-admitiu-e-pediu-desculpas/)

Os fatos aqui trazidos como exemplo, por sua notoriedade e grande repercussão, servem para comprovar as razões da Teoria da Ação Significativa, que citei no início do texto. Todavia, uma pesquisa rápida nas decisões judiciais cotidianas em matéria criminal vai mostrar que embora todos sejam iguais perante a lei, alguns são mais iguais que os outros. E assim, no país do bolsonarismo, vamos vivendo em absurda insegurança jurídica, sabendo que a aplicação do direito não obedece a critérios sólidos, em que pese a pré-definição das normas. Cada vez importa menos o que diz o direito e mais quem diz o direito.

Imagem de destaque copiada de: https://www.poder360.com.br/governo/aras-e-favoravel-a-bolsonaro-prestar-depoimento-sobre-interferencia-na-pf/. Acesso em: 5 de maio 2022.

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bolsonarismo, Eleições, Política

Sem Supremo, sem nada

O xadrez é um jogo de tabuleiro antiquissimo, cuja prática, dizem, torna as pessoas mais inteligentes. Mas xadrez também é o nome que a caserna usa para cadeia, inclusive em documentos oficiais. Jair Bolsonaro não tem inteligência suficiente para jogar xadrez, mas tem currículo de sobra para estar no xadrez. Bolsonaro, porém, é muito menor do que o bolsonarismo e quem está por trás do sistema, esses sim dominam a arte da estratégia do jogo político e, sobretudo, de poder.

A bola da vez é Daniel Silveira. Ao mesmo tempo em que é usado como mais uma das tantas cortinas de fumaça para passar a boiada (Ministério da Educação; Queiroz; cloroquina etc.), o deputado marombado é seríssimo candidato a ser arquivado antes das eleições. Notícias divulgadas nas redes nos últimos dias mostram que o homem era (ou é) um gravador ambulante. Respondeu a diversos processos éticos por gravar e divulgar ilegalmente reuniões do antigo partido, PSL, e há quem diga que ele tem gravações de conversas nada republicanas com o próprio Bolsonaro.

Não é de hoje que os bolsonaros mostram total desprezo pelo regime democrático. Antes da eleição do patriarca, o Filho nº 2 já avisou que não precisaria nem de jipe nem de oficial para fechar o STF, já que com apenas um soldado e um cabo faria o serviço. Ao longo dos últimos três anos e pouco, o presidente e sua família, protegidos por sua escolta institucional privada, protagonizaram dezenas de atos e fatos tão ou mais graves do que os que levaram Alexandre Moraes a aplicar a tornozeleira à perna de Daniel Silveira. Por que nunca foram incomodados para além de alguns editoriais do Jornal Nacional e de uma volumosa coleção de manifestos, cartas abertas e notas de repúdio das instituições, além de ameaças, não mais do que ameaças, dos comandantes do circo midiático apelidado de Comissão Parlamentar de Inquérito e do neocomunista ministro do STF?

Bolsonaro dispõe de advocacia de luxo na PGR. Por mais evidências que existam do cometimento de crimes pelo presidente, inclusive de responsabiliadade, que podem resultar em processo de impeachment, Augusto Aras sempre encontra uma maneira de arquivar qualquer investigação. Entretanto, o caso Daniel Silveira extrapola esse escancarado sistema de blindagem. O processo não precisaria ter ido tão longe, já que Silveira é um dos aliados dos bolsonaros e a sua eleição é fruto da defesa instransigente das práticas da família. Seria, portanto, merecedor de uma mediação do Bolsonaro pai para evitar a condenação. Mas é chegado o momento de começar a dar provas claras de poder. A liberação de Daniel Silveira depois da decisão do colegiado foi um claro recado de Bolsonaro ao Supremo. Recado que já foi passado de diversas formas. O perdão, ou graça, como queiram, concedido ao deputado, ao tempo em que acirra os ânimos da militância, que se alimenta do discurso de ódio e entra em êxtase quando o mito parte para o enfrentamento, também enseja a construção de um fantasioso discurso democrático, pois o argumento usado para embasar o decreto é o da defesa da liberdade de expressão. Nada mal para quem, escondido no direito da liberdade de expressão, defende tortura e torturadores abertamente.

O engavetamento das dezenas (mais de cem) pedidos de impeachment, é a prova de que a Câmara Federal está sob controle, assim como o Senado, cuja CPI(zza), que ameaçou prender e arrebentar, não passou de uma grande comédia de sessão da tarde. Os bolsonaros não temem nada e (ou porque) mantêm as instituições e os poderes da república sob a mira das forças armadas. Notícia de ontem, domingo, dá conta da indisposição entre Luís Roberto Barroso, ministro do STF, e o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, em face de declarações de Barroso sobre a campanha difamatória promovida pelas Forças Armadas acerca do processo eleitoral. A história mostra que diante do poderio militar, os poderes constitucionais não fazem nem ameaça de resistência. E, vamos falar a verdade, alguém acredita mesmo que os militares não estão totalmente fechados com Bolsonaro?

Imagem copiada de: https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2020/02/ministros-militares-bolsonaro/. Acesso em 25 de abr. 2022.

O bolsonarismo conta, ainda, com a eterna disputa de vaidades da esquerda. O interminável Ciro Gomes, que é de esquerda, mas começou na Arena, mais uma vez dispara sua metralhadora giratória contra tudo e contra todos; Marcelo Freixo deixa o PSol sob o argumento que setores do partido inviabilizam uma articulação das forças do campo democrático, mas se filia ao PSB, que, a julgar pelas alianças e as plataformas que tem defendido nas últimas eleições, de Socialista leva apenas o nome; a esquerda ortodoxa vai lançar candidaturas inexpressivas, que vão ter alguns segundos de propaganda eleitoral para defender a Revolução; o PCdoB deve ir na carona do PT novamente; e, falando em PT, Lula, que concentra as esperanças de uma grande parcela do povo, em vez de ser o articulador dessa grande frente de resistência, parece mais interessado em recuperar tucanos arrependidos.

Há chances assustadoramente grandes de que em 2023 se consolide de forma definitiva a plataforma nazifascista do bolsonarismo, com o prosseguimento do processo chefiado por Paulo Guedes de entrega do país às elites econômicas, cuja única nacionalidade é o dinheiro, que pode ser dólar, euro ou até criptomoeda, se render bem. Já não é tão absurda a hipótese de que isso se dê pela via democrática do voto, que, em verdade, não é tão democrática quanto parece, visto que passa pela pesada máquina de manipulação e fakenews operada com maestria pelo bolsonarismo e que ainda tem a ajuda das próprias forças do campo democrático, incapazes de superar o narcisismo das suas lideranças. Todavia, há o grande risco de tudo acontecer pela sanha golpista das forças armadas, que nasceu, em termos de república, com a sua fundação. E desta feita o golpe viria mesmo sem Supremo, sem nada…

Imagem de destaque copiada de: https://blogdaboitempo.com.br/2021/08/13/o-governo-militar-de-bolsonaro-e-neoliberal/#prettyPhoto/0/. Acesso em: 25 de abr. 2022.

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Agronegócio, bolsonarismo, Direitos Humanos, Eleições, Política, Povos originários

19 de Abril: ainda vamos comemorar esta data

“No Brasil não há nenhum representante indígena federal ou estadual eleito. O que temos no Congresso Nacional é uma frente parlamentar de apoio aos povos indígenas.
O sistema político eleitoral inviabiliza por completo a eleição de representação indígena, porque o perfil dos eleitos é de candidatos que conseguem financiamentos vultosos de empresas privadas que dificilmente se interessariam por financiar lideranças indígenas, especialmente se tiverem a perspectiva de lutar pelos povos indígenas.”

Essa declaração foi dada pelo então Secretário-Geral do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cléber Buzatto, em entrevista ao Jornal Extra Classe (edição número 194, de junho de 2015, p. 16-17).

As pessoas mais antigas certamente lembrarão da estranheza que provocava nos anos 1980 a presença do deputado Mário Juruna na Câmara Federal. Quantos deputados e deputadas indígenas exerceram mandatos desde então?

No dia 4 de setembro de 1987, uma jovem liderança indígena ocupou a tribuna do plenário do Congresso Nacional (1). Enquanto proferia um discurso contundente, vestido conforme o protocolo da casa, de paletó e gravata, Aílton Krenak pintava o rosto com uma tintura preta feita à base de jenipapo, num ritual tradicional de seu povo em momentos de luto. A manifestação de Krenak dizia respeito à possibilidade de não aprovação do capítulo que trata dos direitos dos povos originários na Carta Constitucional que estava sendo gestada e que no ano seguinte seria promulgada por Ulysses Guimarães sob a proteção de Deus. Um deus de pele e longas barbas brancas, por certo, que, do alto da sua benevolência cristã, e pelo trabalho de pessoas como Krenak, permitiu a inclusão no texto constitucional de um capítulo (VIII) intitulado “Dos índios”, com dois artigos, 231 e 232. Parece pouco, poderia ser mais, deveria ser mais, mas mesmo assim foi uma grande conquista, de acordo com o próprio Aílton Krenak, hoje reconhecido como uma das maiores lideranças indígenas da história recente do Brasil.

Imagem copiada de: http://bienal.org.br/post/7985. Acesso em: 20 de abr. 2022.

Hoje, 19 de abril de 2022, uma pergunta se impõe: os dispositivos constitucionais que garantem direitos aos povos originários, chamados pela assembleia constituinte meramente de índios, têm efeitos práticos? Já li e ouvi gente dizer que a inclusão de artigos protetivos aos indígenas é uma forma de discriminação, porque o artigo 5º e os demais que tratam dos direitos e garantias fundamentais se aplicam a todo o povo brasileiro. Isso é como falar em pessoas negras praticando racismo reverso. Retórica finamente construída para manter os privilégios das classes dominantes (sempre brancas), sob a máscara de pluralismo e universalidade de direitos, bem ao gosto de Gilberto Freire e sua teoria do paraíso da democracia racial no Brasil. Somos todos um único povo brasileiro; não há raça branca ou preta, há raça humana; e coisas desse tipo.

Voltando ao tempo das discussões constituintes, em 27 de maio de 1988, alguns meses antes da promulgação da Carta, O Estado de São Paulo publicava um pequeno texto que falava sobre a atuação de representantes das comunidades tradicionais na assembleia. A matéria, se é que assim pode ser chamada, recebeu o sugestivo título de “Índio fica bravo com os constituintes e a imprensa”. Uma das frases é esta: “Os índios querem ainda ter usufruto exclusivo das riquezas naturais e dos cursos de água existentes nas terras que ocupam. (2)” Usufruto exclusivo e nas terras que ocupam são palavras-chave para compreender o “modus operandi” da grande mídia, que desde aquela época, ou melhor, desde sempre, esteve ao lado das elites. “Usufruto exclusivo” poderia ser traduzido em sobrevivência e “terras que ocupam” quer dizer terras em que vivem desde muito antes de 1500.

Que grupo político atuante no Congresso se beneficiava com esse discurso deturpado de um dos maiores jornais do país à epoca? Essa é fácil: Centrão. “O Centrão aceita retirar do texto a expressão aculturação, mas não admite que os índios que não vivam permanentemente em suas terras também possuam os benefícios adquiridos.”, diz a mesma matéria. Passadas mais de três décadas, o Centrão continua firme e forte, como a maior bancada do Congresso Nacional. Continua minando as lutas pela demarcação das terras indígenas. E continua garantindo legitimidade (ainda que redundante, importa dizer que se trata de legitimidade legal e não ética) ao governo nazifascista de Bolsonaro para seguir dizimando a pouca representação das nações originárias que ainda insistem em sobreviver no braZil de hoje.

Mas infelizmente não é só no legislativo e no (des)governo bolsonaro que as elites do agronegócio, da mineração, da grande indústria encontram defensores das suas bandeiras. As instituições republicanas também estão contaminadas. Galdino não resistiu ao fogo ateado em seu corpo, mas seus assassinos seguiram a vida numa boa; os responsáveis pelo incêndio que destruiu a casa de reza dos Guaranis em Itapuã/RS não foram importunados pelas autoridades; as dezenas de denúncias de violência levantadas pelo CIMI (3) não têm investigação policial, inquéritos determinados pelo MPF, processos, nada. Se têm, acabam não dando em lugar algum.

Então, lembro que este ano teremos eleições. De importância igual à escolha do sucessor de Bolsonaro e dos governos estaduais, é a eleição de parlamentares para as assembleias, Câmara e Senado. Deputadas/os, Senadores/as fazem leis, homologam a nomeação do/da PGR, ministras/os do STF, cassam (ou não) os mandatos de bandidos/as que nas suas respectivas casas legislativas, abrem (ou não) e julgam processos de impeachment de presidentes corruptos e genocidas, enfim… De nada adianta interromper a marcha fascista, impedindo a família bolsonaro de seguir no poder, se forem eleitos deputados/as e senadoras/es comprometidos/as com os interesses das elites. É hora de mostrarmos que a afirmação do ex-secretário do CIMI, que abriu este texto, ficou no passado. Quem sabe até tenhamos motivos relevantes para comemorar o próximo 19 de abril.

(1) https://www.youtube.com/watch?v=kWMHiwdbM_Q&ab_channel=%C3%8DNDIOCIDAD%C3%83O%3F-OFILME

(2) https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/106820/1988_26%20a%2031%20de%20Maio_%20066e.pdf?sequence=1&isAllowed=y

(3) https://cimi.org.br/2020/09/em-2019-terras-indigenas-invadidas-modo-ostensivo-brasil/

Imagem de destaque copiada de: https://www.sohistoria.com.br/ef2/descobrimento/p2.php. Acesso em 20 de abr. 2022.

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bolsonarismo, Direitos Humanos, Eleições, Política

Sejamos finalmente livres

Era 14 de março de 2018. Tiros foram disparados naquela noite quente de verão. Só mais uma noite no Rio, se não fosse pela vítima, a vereadora Marielle Franco, baleada com violência, quando voltava para casa de um evento a apenas alguns quilômetros de distância. O perpetrador? Essa é a pergunta que ainda não tem resposta.

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Jair Bolsonaro é uma das figuras mais conhecidas e desprezadas do Brasil. Sua ascensão à presidência, na onda trumpiana iniciada em 2016, inaugurou uma retórica política nunca ouvida publicamente no Brasil.

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O primeiro páragrafo traz um trecho da sinopse do livro “Memória Viva”, que Lu Olivero (Leuvis Manuel Olivero) publicou em 2020. O segundo é de outro livro de Olivero, “Enquanto o Ódio Governava, a Rua Falava”, também de 2020. Lu foi imigrante dominicano nos EUA e depois veio para o Brasil, onde viveu, constituiu família, jogou capoeira, investigou e escreveu. Em 10 de outubro, quando caminhava por uma rua da Tijuca, foi alvejado por homens que atiraram de dentro de um HB20. Era tarde quando o socorro chegou.

A história de mortes não explicadas no Brasil não é recente e tem as mais diversas causas oficiais. Um recorte temporal curto vai trazer à memória Teori Zavascki, ministro do STF (acidente aéreo), Marcelo Cavalcante, secretário do governo de Yeda Crusius no Rio Grande do Sul (suicídio), e muitos outros nomes, cuja listagem é desnecessária. No governo Jair Bolsonaro, porém, o número de pessoas que morrem assassinadas é impressionantemente alto. Todas essas mortes, seja qual for a causa apontada nos inquéritos, têm em comum o fato de invariavelmente não serem alvos de investigações sérias.

Não é nenhum equívoco dizer que o bolsonarismo é uma máquina de guerra. As centenas de milhares de pessoas que perderam parentes e amigos/as pela Covid podem dar testemunho disso. Muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas, caso a política do governo central fosse efetiva no combate à doença e não na sua propagação.

Entretanto, o genocídio provocado pela má condução da crise sanitária e outros atos da família bolsonaro incrivelmente não é o que mais assusta. A pasmaceira e o jogo de cena das instituições republicanas, isso sim é alarmante e mostra que estamos com o barco à deriva em plena tempestade. Bolsonaro e sua família dispõem de serviços de advocacia privada na PGR e na AGU e promovem alterações nas chefias dos órgãos de segurança e fiscalização sempre que necessário. Apenas para retomar o Caso Marielle, que tem como consequência evidente o assassinato de Lu Olivero e tantos outros, a investigação, decorridos quatro anos completados no último dia 14, já passou por quatro delegados da polícia civil e atualmente está nas mãos do quinto. No âmbito do MP, três grupos diferentes de promotores já atuaram. E até agora o que se avançou? Muito pouco, embora as evidências do envolvimento de certas pessoas sejam irrefutáveis.

Enquanto esses e outros crimes brutais vão acontecendo em ritmo industrial, o que fazem as nossas instituições? Notas de repúdio, manifestos, cartas abertas e toda a sorte de ações midiáticas que não resultam em nada. A CPI, em que pesem as muitas horas de trabalho e a veemencia dos discursos da mesa diretora, teve como resultado máximo a qualificação de Bolsonaro como genocida, algo que, dada a sua ignorância, ele nem sabe o que significa.

Alexandre de Moraes, o neocomunista ministro do STF, é pródigo em decisões que geram dias de debates nas redes, horas de repercussão nos telejornais e zero efeito jurídico. Barroso, seu colega, manifestou-se com força em defesa da Justiça Eleitoral e da urna eletrônica, mas e quanto a determinar uma investigação séria sobre o esquema de fake news que alavancou a votação da chapa Bolsonaro/Mourão, como se diria no vetusto jargão jurídico, quedou-se silente. Sérgio Moro, pré-candidato à sucessão de Bolsonaro, assumiu ter estado à frente da farsa lavajatiana apenas para fazer o serviço que as forças políticas não conseguiram, no que diz respeito a impedir uma nova eleição petista. O que fez o Judiciário? Nada!

Imagem copiada de: https://revistaforum.com.br/news/2020/1/31/moro-exclui-miliciano-ligado-flavio-bolsonaro-da-lista-dos-criminosos-mais-procurados-do-brasil-68418.html. Acesso em: 15 de mar. 2022.

E assim, entre crimes de brutalidade ostensiva, como os assasinatos de Marielle, Anderson e Lu Olivero, matanças coletivas, como as mortes provocadas pela Covid, e crimes de gabinete, como os de Sérgio Moro, avançamos rumo a uma nova eleição. E novamente o povo estará com a caneta, ou melhor, com o teclado à frente para mudar o rumo da história. Mas enquanto não atingirmos o ponto ideal de civilização, quando o povo não dependerá mais de representantes e dirigirá ele próprio o seu destino, é mais do que urgente a descida das lideranças do campo democrático ao chão da fábrica, à rua não asfaltada, ao pequeno sindicato, à associação de bairro, à organização coletiva da comunidade, porque é ali, onde o povo está e onde atuam as pessoas verdadeiramente abnegadas e interessadas na construção de um futuro melhor para todos e todas, que se articula a campanha. Discursar para intelectuais e ganhar elogios da comunidade acadêmica internacional não vai resolver os problemas do Brasil. Ou organizamos a luta com os de baixo, como bem definiu um querido amigo dias atrás, ou o fascismo bolsonarista (que não depende de Bolsonaro), seguirá livre, leve e solto. Como livres, leves e soltos estão os assassinos de Marielle, Anderson, Lu e tantas outras.

*Imagem de destaque copiada de: https://www.brasildefato.com.br/2020/05/06/cronica-e-dai-ou-como-conversar-com-quem-relativiza-fascista. Acesso em: 15 de mar. 2022.

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bolsonarismo, Política

Guerras: escolha a sua

Os olhos do planeta se voltam para o leste da Europa. A guerra está deflagrada! Mas será que esta com que os noticiários ocupam 80 por cento ou mais do seu tempo é a única? Ainda, será que ela é a mais importante e a que tem efeitos mais imediatos e impactantes na nossa vida? Não quero nem entrar na questão das guerras que acontecem ininterruptamente há décadas em países africanos e que o ocidente libertador solenemente ignora. Nessas também se disputa fornecimento de energia ou exploração de minérios, mas seus protagonistas são de outra cor e não têm os olhos claros, então não despertam interesses humanitários das ONUs, OTANs e outras organizações do mundo livre, civilizado (e civilizador) e democrático. Eu quero mesmo é falar das guerras que travamos todos os dias, nas periferias das nossas cidades, e que eventualmente ocupam a pauta da grande mídia por terem chegado nas zonas nobres. Vamos ver o que há nisso.

Enquanto a guerra de Putin contra o mundo de bem (coletivo de cidadão de bem) se travava no discurso, um homem negro era espancado até a morte na beira de uma praia chique do Rio; em algum outro lugar, outro homem negro era assassinado por um militar que o confundiu com um assaltante; em outra praia, uma mulher é algemada com a sua amiga e levada à delegacia por ter ousado ficar com os peitos desnudos; em um estado do sul, um adolescente negro é suspeito de assaltar um supermercado, mesmo depois de ter confirmado com os seguranças se podia entrar com a sua mochila; em alguma periferia de alguma cidade, uma bala perdida encontra seu alvo no corpo de uma criança negra e um homem negro é fuzilado pela polícia dentro do seu carro, por que suspeitaram que ele tivesse roubado o veículo; uma mulher é brutalmente violentada e espancada pelo marido, uma menina de 5 anos é abusada pelo próprio pai, uma professora de uma escola tradicional é violentamente atacada nas redes sociais por falar em educação sexual com os seus alunos e alunas, um casal gay é atacado por neonazistas evangélicos…Acho que deu, né? Já tem guerra suficiente pra todo mundo por aqui também.

Imagem copiada de: https://www.oantagonista.com/brasil/moro-se-reune-com-temer/. Acesso em: 1º de mar 2022.

Mas vamos à guerra com o maior potencial destrutivo que está em curso. O Jornal Nacional ocupa o espaço que lhe sobra na narrativa antirrussa batendo em Bolsonaro por cima e por baixo. E, no intervalo, o agro é pop! O desaparecido Chicago Boy andou aparecendo na tela, com ótimas projeções para a economia nacional no pós-pandemia (quando será esse pós?). E a editoria do jornal, de forma (nem tão) sutil, começou a delimitar o que era ruim nos governos petistas, passou a ser bom em 2016 e voltou a ser ruim depois que Bolsonaro deixou de cumprir o que fora programado. Os dois anos do governo golpista foram, de acordo com o que se noticia, uma maravilha. E Bolsonaro estragou tudo ao conferir a si próprio uma autonomia inaceitável. Enquanto essa imagem se constrói veladamente no noticioso diário, a plataforma on demand lança uma série que requenta o Caso Celso Daniel.

Sobre isso, é legal uma atenção especial. Um querido amigo, meu compadre, muito antenado nas questões políticas e ávido consumidor de séries, disse que esta é muito bem feita e que afasta qualquer responsabilidade do PT pela morte do ex-prefeito de Santo André, ocorrida há 20 anos. Coisa que a Justiça já havia feito há bastante tempo, diga-se. Pois é sabido que vivemos tempos de imediatismo, em que as pessoas leem manchetes e saem deitando teses redes afora. Textos cuja leitura demande mais de 3 minutos, o tempo determinado para o sucesso comercial de uma canção pop nos anos 60, são descartados de forma arbitrária e implacável, mesmo que indiquem alguma possibilidade de terem sido bem escritos. Nesse mundo frenético, quem tem tempo de assistir com atenção e capacidade crítica a séries documentais? Um número restrito de pessoas, das que assistem séries, e que é ainda mais restrito em relação ao colégio eleitoral das próximas eleições, formado em sua maioria por pessoas que não têm a menor possibilidade de pagar pacotes de streaming, isso quando têm aparelhos de TV. Talvez se o meu compadre fizer um teste com essas pessoas e perguntar o que elas sabem sobre o caso Celso Daniel, muitas delas vão dizer que ele foi vítima de queima de arquivo do PT. E como elas não vão ver a série, muito menos ler bons textos sobre o tema, não saberão a verdade e ficarão com a mensagem subliminar (a Semiologia e a Linguística explicam) do nome Celso Daniel na cabeça. Então os processos mentais vão recorrer a informações prévias, arquivadas em algum lugar da cabeça, que dirão: Lula é o culpado! Está feita a narrativa e, assim, chegamos finalmente à pior das guerras, a das narrativas.

Imagem copiada de: https://marciokenobi.wordpress.com/tag/partido-da-imprensa-golpista/. Acesso em 28 de fev. 2022.

A partir dessa guerra suja de narrativas criadas ao sabor dos interesses das elites, e que incluem doses cavalares de notícias falsas (denominação antiga e em franco desuso para fake news), se delinearão as pesquisas de intenção de votos do Datafolha e outros. Com isso, a chance de permanecermos nessa marcha acelerada rumo à aniquilação das classes desfavorecidas do país cresce assustadoramente. E essa aniquilação tende a ocorrer muito antes do que o potencial bélico russo destrua o mundo civilizado. Por isso, é mais do que hora de pensarmos sobre que guerra devemos centrar nossa atenção. Não que a eventual terceira guerra mundial não tenha importância, longe disso, tem e muita. E é uma tragédia, como (quase) todas as guerras. Mas temos nossas guerras domésticas, que são diárias e nos impactam de forma muito mais imediata. E não são noticiadas. Quando o são, isso ocorre de forma distorcida e manipulada para embotar a visão da realidade e formar uma ideia míope que vai se refletir nas urnas. É hora, então, de segurarmos um pouquinho o desejo quase irrefreável de nos tornarmos autoridades em geopolítica e nos preocuparmos com a nossa realidade doméstica, que se não tem o glamour e o status de uma guerra nuclear, pode colocar em risco a subsistência de milhões de pessoas que vivem neste braZil nazifascista do bolsonarismo.

Imagem copiada de: https://ptnacamara.org.br/portal/2020/09/02/a-corrupcao-da-familia-bolsonaro/. Acesso em 28 de fev. 2022.

Você decide: qual a sua guerra?

*Imagem de destaque copiada de: https://domtotal.com/fato-em-foco/605/2020/07/violencia-policial-blindada-pela-impunidade/. Acesso em: 28 de fev. 2022.

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bolsonarismo, Política

O governo quero-quero¹

Se houvesse Luciano Hang em 1985, nem a fina ironia de Cazuza ousaria dizer que as mães são felizes. E ele também não seria incauto o suficiente pra procurar uma ideologia pra viver. Mas teria muito mais razões pra dizer que a piscina estava ainda mais cheia de ratos.

Imagem copiada de: <https://twitter.com/alvarodias_/status/1440731740037808128?lang=ar&gt;. Acesso em: 28 de set. 2021.

Os poetas têm uma percepção de mundo muito aguçada e são capazes de dizer coisas que só muito tempo depois nós, reles mortais, seremos capazes de atestar. Devo confessar que não sou exatamente fã de Cazuza e até questiono um pouco a sua aura de poeta, mas era um cara muito antenado com as coisas que aconteciam na sua volta e tinha um talento inquestionável pra botar críticas sociais e políticas nas letras das músicas que compunha. Mas eu acho, e só acho, que com o material disponível que teria hoje, ele se atrapalharia. Ou lançaria músicas na mesma proporção em que as instituições lançam manifestos e notas de repúdio.

Segundo especialistas, a CPI já tem elementos de sobra pra colocar abaixo todo o desgoverno de Bolsonaro; a Justiça do Rio de Janeiro já tem elementos de sobra pra botar na cadeia toda a família e seus comparsas das milícias; a Polícia Federal já tem elementos de sobra pra reabrir, de forma séria, as investigações sobre a fakeada de Juiz de Fora; o Ministério Público já tem elementos de sobra pra investigar a atuação de Sérgio Moro quando era juiz e também já tem elementos de sobra pra no mínimo começar a se perguntar por onde anda Abraham Weintraub – se me perguntarem eu digo… – e por que razão Fabrício Queiroz circulou como se fosse Ringo Starr no Sete de Setembro; o Conselho Nacional e a Corregedoria do Ministério Público já têm elementos de sobra pra investigar a atuação de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República; a Polícia Civil de Goiás já tem elementos de sobra pra desconfiar que há algo estranho no Caso Lázaro. A Havan já foi declarada sonegadora pela Receita Federal, mas o dono continua livre, leve e solto como um passarinho, ou como a versão braZileira da estátua.

Poderia encher folhas e folhas com todas as ações que as instituições republicanas deveriam fazer pra transformar o braZil em Brasil. Mas o que ganha os horários nobres dos noticiários televisivos e boas manchetes na mídia alternativa é a risível rinha de dois senadores, ambos com fundadas suspeitas de corrupção, ou a demissão de um patético jornalista que transita nos bastidores da política brasileira desde a linha dura, cuja carreira alavancou ao flagrar parlamentares dormindo no plenário para mostrar no Show da Vida e que no fim da vida se submete ao ridículo de defender aplicações de ozônio no ânus e coisas do tipo. Não que isso não deva estar no noticiário, pelo contrário, tudo é boa matéria jornalística. Mas, enquanto isso, as grilagens e a matança de indígenas e quilombolas correm soltas, a destruição de milhões de quilômetros de mata pra fazer pastagens e campos de soja acontece à luz do sol e ao brilho da lua, as mineradoras e outras atividades predatórias da natureza articulam suas políticas sem qualquer tipo de fiscalização eficaz das autoridades competentes, o Congresso caminha em velocidade avançada pra acabar com os serviços públicos, enfim, a boiada passa pelas porteiras escancaradas pelos tratores do agropop. Isso sem falar que já são quase 600 mil pessoas mortas pela Covid, com estudos que mostram que a maioria pertencia aos segmentos sociais mais vulneráveis. E os defensores da retomada da economia festejam que só estejam caindo dois aviões médios por dia, ou melhor, estejam morrendo “somente” cerca de 500 pessoas diariamente. Este é o braZil de Bolsonaro, o presidente quero-quero, que chefia a comitiva da vergonha nacional nos EE.UU.

Imagem copiada de: <https://findect.org.br/noticias/vergonha-internacional/&gt;. Acesso em: 28 de set. 2021.

Quero-quero é uma simpática – e braba – avezinha muito vista aqui pelo Rio Grande do Sul. As mamães quero-quero podem até não ser felizes como deveriam ser todas as mães, mas são muito espertas. Elas depositam os ovos num lugar e vão cantar pra atrair a atenção dos predadores – ser “humano” incluso – bem longe dali. Me parece que além de todo o suporte teórico que deu ao bolsonarismo, Olavo de Carvalho também estudou com muita atenção esses passarinhos e ensinou direitinho o pupilo a cantar num lugar pra esconder o circo pegando fogo do outro lado.

¹Se eu estivesse escrevendo no Equador ou na Bolívia, estaria correndo sério risco de tomar um processo por dano moral contra os animais neste texto.

*Imagem de destaque copiada de: <https://www.sinergiaspcut.com.br/2021/08/13/entenda-como-o-governo-bolsonaro-desvia-sua-atencao-para-atacar-seu-direitos/&gt;. Acesso em: 28 de set. 2021.

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bolsonarismo, Política

Sei até que parece sério…

Vou me permitir começar a conversa de hoje contando rapidamente uma história pessoal. Em 1999 encaminhei um Compact Disc, vulgo CD, com a música para a minha formatura: “Pastor João e a Igreja Invisível”. Esqueci (será?) que mesmo que o velho Romeu tivesse levado muitos dos seus princípios educacionais junto com ele pro caixão, a Ritter dos Reis ainda era propriedade de uma família adventista. (Sim, no braZil, a Educação tem proprietários.) A música foi vetada. Escolhi outra parceria do Raul e do Marcelo Nova: “Muita estrela e pouca constelação”. A exemplo dos seus homólogos da linha dura, os censores universitários não primavam pela inteligência e não entenderam qual o sentido de “Sei até que parece sério, mas é tudo armação, o problema é muita estrela pra pouca constelação” numa formatura de Direito.

Hoje a gente vê o inqualificável Roberto Jefferson sendo preso com direito a espetáculo midiático, bem ao gosto das nossas instituições. Este sujeito já foi apresentador de programa policial sensacionalista, defensor de primeira hora do caçador de marajás, se abraçou com o PT e depois deu início ao processo do mensalão (o petista, porque o tucano anda esquecido faz tempo), defendeu pautas polêmicas, como o desarmamento e até o casamento homoafetivo, antes de conhecer o Messias, claro. Enfim, é uma figura contraditória, patética e ridícula, como tantas desta república braZileira.

Não vou questionar a prisão do Bobjeff a não ser pela temporalidade. Ele deveria estar guardado há muito tempo. Ou melhor, deveria PERMANECER guardado desde muito tempo. Importa agora é examinar as razões por que ele foi encarcerado de novo.

Quem mandou o bolsonarista Jefferson para a cadeia foi o Ministro Alexandre de Moraes, que quando eu estava na faculdade, nos anos 90, já vinha se consolidando como um grande constitucionalista. Depois disseram que ele andou plagiando outros autores, mas isso também não vem ao caso agora. Moraes tem fortes ligações com o PSDB, o que motivou duras críticas à sua indicação para o STF, feita por Michel Temer. Ninguém imaginaria naquela época que ele seria um dos grandes algozes do bolsonarismo na Corte. Aliás, naquele tempo pouca gente imaginava o próprio bolsonarismo.

Imagem copiada de: https://pt.org.br/alexandre-de-moraes-passado-controverso-e-repleto-polemicas/. Acesso em: 17 de ago. 2021.

Voltando ao caso, nos fundamentos da prisão do petebista, Moraes diz que ele está no núcleo político de uma organização criminosa que provoca a desestabilização das instituições republicanas, que está sendo chamada de “milícia digital”. Esta rede atua nas mídias, principalmente as alternativas, pregando a ruptura institucional, que, como se sabe, é o nome bonito usado para dizer golpe. Desde a decisão forte e pesada do Ministro Alexandre, uma pergunta se tornou recorrente na minha cabeça: o que tem os bolsonaros que o Jefferson e o Daniel não têm? Como é difícil dar conta de tanta coisa, dada a produção frenética de fatos escabrosos no braZil, lembro que o deputado Daniel Silveira foi preso por determinação do mesmo Alexandre de Moraes, por ter feito ataques ao Supremo e aos seus integrantes, ou seja, a mesma motivação que levou o presidente do Partido Trabalhista Brasileiro à cadeia agora.

Já li que a prisão de Roberto Jefferson é um recado aos bolsonaros. Será que não há uma inversão aí? Rauzito também disse, sem o Marceleza, que “tem gente que passa a vida inteira travando a inútil luta com os galhos, sem saber que é lá no tronco que tá o curinga do baralho”. Mandar prender figurante parece o mesmo que cortar galho pra matar a árvore (diversionismo?…). Sei que prender um presidente da república não é o mesmo que prender um coadjuvante, mas a essência dos fatos não muda. Bolsonaro, o presidente, também ataca as instituições e os ministros do Supremo diariamente, e ameaça com golpe com uma frequência nunca vista, assim como faz a familícia. Só que Jefferson e o Daniel não têm o aparelho institucional sempre a postos para sua defesa, o que comprova que são coadjuvantes. De luxo, mas coadjuvantes. Não fosse, certamente o PGR teria saído em sua defesa, ou o presidente do Congresso, como fazem essas duas figuras sempre que o nome Bolsonaro aparece na linha de tiro.

Então, aceitando por mero efeito de argumentação, que ainda não haja elementos suficientes para a prisão do Bolsonaro Messias, talvez seja o momento de perguntar porque os bolsonaros filhos ainda estão livres? E os generais do staff bolsonarista, por que ainda andam livres, leves (alguns nem tanto) e soltos? Talvez uma pequena lista ajude neste momento:


–  “Uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência de outro poder na privacidade do presidente da República e na segurança institucional do país […] poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” (General Heleno, maio de 2020);¹

– “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta, ela pode ser via um novo AI-5” (Eduardo Bolsonaro, outubro de 2019);

– “Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos” (Carlos Bolsonaro, setembro de 2019).

O que essa gente toda tem, então, que falta a Jefferson e Daniel? Um Aras ou um Lira? Sim, mas talvez haja pedra nesse feijão. Enquanto se manda prender no segundo escalão, a boiada vai passando e os direitos trabalhistas, por exemplo, vão acabando. Não esqueçamos das ligações do ministro com o liberalismo tucano, enfim. E aí começa a fazer sentido de novo o refrão: “sei até que parece sério, mas é tudo armação…”

¹ O que os celulares da famiglia teriam de tão poderoso para abalar as estruturas da república?

*Imagem de destaque copiada de https://passandonahoradf.com.br/2021/04/18/tudo-pronto-pra-ffaa-agir-bolsonaro-da-sinal-david-salomao-e-roberto-jefferson-convocam-exercito/. Acesso em: 17 de ago. 2021.

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