Num regime democrático, o parlamento deveria ser a Casa do Povo, tendo nos parlamentares os legítimos representantes dos anseios da sociedade, que os levou até lá. Só que não é bem assim…
Dia desses eu transcrevi “O Analfabeto Político” num texto aqui. Pois isso que eu vou falar agora tem tudo a ver com essa joia do Brecht, principalmente com a última frase.
Na página 8 da ZH de sábado (18/08) tem uma matéria sobre o problema dos CCs da assembleia. (A propósito, a globinho só descobriu isso agora?) A repórter Juliana Bublitz, autora da matéria, faz uma rápida entrevista com o deputado Alexandre Postal, do PMDB, que ocupa atualmente a presidência da Casa.
A questão: “Para cientistas políticos, o número poderia ser menor e os parlamentares deveriam divulgar os dados dos assessores.”
A resposta: “Cientistas políticos não conhecem o nosso dia a dia. Qual é a grande arma do político? É o adversário não saber qual é a tua estratégia e onde tu estás. Se souber, pode ir atrás. É a mesma coisa que eu pedir para a fábrica de chocolate quais são as empresas que o vendedor dela vai visitar. Para os concorrentes, isso é uma maravilha.”
A (excelente) questão: “Mas não estamos falando de adversários. Estamos falando da população.”
A (lamentável) resposta: “O dia a dia, e eu falo isso com tranquilidade porque estou no quinto mandato, é diferente do prisma de quem está fora.”
Eu juro que tive que ler três vezes só pra ter certeza que o cara tinha dito isso mesmo. Sabe como é, era sábado bem cedo da manhã, eu havia acordado há pouco, então poderia estar com a vista turvada pelo sono recém interrompido. Mas era isso mesmo.
Sua excelência começa dizendo que os cientistas políticos não conhecem o dia a dia da Casa Legislativa. Bueno, se um CIENTISTA POLÍTICO ignorar o que acontece no funcionamento do parlamento, que é onde a política se realiza na sua plenitude, talvez seja melhor ele militar em outra área científica, botânico ou físico talvez.
Mas o pior vem agora: o deputado fala em “arma do político”. Ou seja, já está atribuindo um caráter bélico à sua atuação. E quando ele próprio responde a sua pergunta sobre qual é a arma, aí a vaca vai pro brejo com cinta e tudo. Vou transcrever de novo, em letras grandes, para facilitar a leitura:
“É o adversário não saber a estratégia e onde tu estás.”
Quem é o adversário? Se é durante a campanha ainda se justifica o emprego do termo adversário, mas não é disso que se está tratando na matéria. O adversário, no caso, é o outro deputado e para ele não descobrir as “estratégias” empregadas, usa-se um monte de assessores para, em vez de trabalhar nas funções institucionais, viabilizar a logística da politicagem praticada pelo parlamentar.
E quando a repórter questiona sobre o que ele chamou de adversário, o cara tergiversou.
Na visão do PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, que se orgulha de ser o mais politizado do brasil, a política gira em torno de estratégias de guerra para a manutenção do poder. A assembleia é, então, palco de um combate, onde o que vale é chegar antes do “adversário”. O interesse comum, que é o que deveria permear a atuação dos mandatários do povo, bom, esse fica relegado a um segundo (terceiro, quarto…) plano.
Diante da confissão do senhor presidente, assumindo que faz política para si mesmo, começa a se justificar de pleno a campanha que se faz pelo voto nulo, da qual eu sempre discordei por considerar a anulação do voto uma omissão diante da ferramenta mais poderosa que a democracia nos coloca à disposição. Ademais, o voto nulo possibilita justamente a eleição de gente desse naipe, que trata a política dessa maneira. Só que está ficando difícil defender meus argumentos. Qualquer um que defenda a anulação pode pegar essa entrevista e dizer aos quatro ventos: “Entendeu porque eu não dou meu voto pra esse tipo de gente?”
E aí me resta contra-atacar com o velho Brecht: