Direitos Humanos, Língua Portuguesa, Mulheres, Política

Saudades da Presidenta

Em abril de 2012, quando o Brasil era presidido por Dilma Rousseff, foi publicada, no dia 3 daquele mês, uma lei daquelas que acabam passando batidas pela população de uma forma geral, dada a pouca importância que se dá a ela. A ementa desta lei diz o seguinte:

Determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas. (Lei 12.605)

Para quem não está muito acostumado com as nomenclaturas da gramática – e a maneira como a língua portuguesa é abordada nas nossas escolas faz com que a imensa maioria da população de brasileiros e brasileiras não esteja acostumada mesmo com isso -, explico o que a lei determina: a partir da sua vigência, as mulheres ganharam o direito de se apresentarem como mestras, caso obtenham o título de mestrado, ou doutoras, no caso do doutoramento. Mais do que isso, uma cirurgiã-dentista pode escrever a plaquinha do consultório dessa forma e não mais “Joana… Cirurgião-Dentista”.

Na prática, qual a implicação dessa mudança? Pouca, porque há muito as mulheres já se valiam desse direito natural, e, em face de outro preconceito, o social, não eram contestadas, já que beiraria o ridículo alguém advertir uma profissional de nível superior que ela deveria utilizar a designação na forma masculina. Há uma hierarquização no machismo, como há em todas as formas de discriminação social. Mas, oficialmente, elas estavam fora da lei.

Isso diz muito mais do que a simples prática linguística, fala com o machismo que está na estrutura da formação do Brasil como uma nação autônoma. Se pensarmos que até poucas décadas as mulheres não tinham direito de votar e que a legítima defesa da honra, quando o homem é “traído” pela mulher, não raro ainda é aceita como excludente em casos de feminicídio, vemos que cada conquista, por menos importante que pareça, deve ser muito comemorada.

A propósito de legislação, o Código Penal Militar, uma das leis mais obsoletas que ainda existem no ordenamento jurídico brasileiro, que, pouca gente sabe, ainda prevê caso de aplicação da pena de morte, traz no seu artigo 407 a seguinte redação:

Art. 407. Raptar mulher honesta, mediante violência ou grave ameaça, para fim libidinoso, em lugar de efetivas operações militares: (…). O grifo é meu.

Tudo isso mostra que vivemos em um país machista, patriarcal, misógino, e que nada adianta o mise èn scnene da grande mídia e das instituições (bem pouco) republicanas em repudiar o escrotismo do Mamãe Falei enquanto quase nada fazem para combater a estrutura que ainda permite discriminações salariais de mulheres, que naturaliza a violência doméstica sob a máxima “em briga de marido e mulher estranho não mete a colher”, que admite que meninas e mulheres pobres não possam sair de casa porque não têm dinheiro para comprar absorventes e, sobretudo, aceita a manutenção no poder de um homem que diz que a filha nasceu de uma fraquejada, diz que certas mulheres não merecem o estupro por serem feias, mantém como ministra da mulher alguém que afirma que meninos vestem azul e meninas vestem rosa e que a culpa pelos estupros de vulneráveis é o não uso de calcinhas.

É evidente que, diante desse circo de horrores, uma lei que autoriza a flexão feminina na designação das profissões pode parecer de pouca relevância. Entretanto, contrariando o velho Aristóteles, que definiu… o homem (e a mulher, onde fica?) como um animal político, o filósofo Ernst Cassirer disse que o… homem (e a mulher, onde fica?) é um animal simbólico. Os símbolos nos constituem, Jung e os linguistas clássicos já provaram isso. Então, vamos passar a dar maior importância aos símbolos dos preconceitos e das opressões, porque de referencial inconsciente à prática, o caminho é bem curto.

E, sim, viva o Dia 8 de Março como Dia da Mulher!!

Imagem de destaque copiada de: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/area-imprensa/ultimas_noticias/2013/03/08-03-pronunciamento-da-presidenta-dilma-rousseff-sobre-o-dia-internacional-da-mulher. Acesso em: 8 de mar. 2022.

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Feminismo, Língua Portuguesa, Mulheres, Política, Republicados

Parabéns Cirurgiãs-Dentistas, Psicólogas, Médicas, Arquitetas, Engenheiras, Presidentas etc.*

Agora a minha esposa já pode imprimir no cartão de visitas “Patrícia D’Ávila – Cirurgiã-Dentista”. É que foi publicada no Diário Oficial da União, no último dia 4 de abril, a Lei nº 12.605, de 03.04.2012, que diz o seguinte: 

LEI Nº 12.605, DE 3 DE ABRIL DE 2012.

Determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas.

 

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o  As instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido.

Art. 2o  As pessoas já diplomadas poderão requerer das instituições referidas no art. 1o a reemissão gratuita dos diplomas, com a devida correção, segundo regulamento do respectivo sistema de ensino.

Art. 3o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,  3  de  abril  de 2012; 191o da Independência e 124o da República.

DILMA ROUSSEFF
Aloizio Mercadante
Eleonora Menicucci de Oliveira

Claro que isso parece uma questão menor, já que os falantes da língua haviam resolvido o problema há muito tempo, afinal não se vê nos consultórios de médicas uma plaquinha “Dra… Médico Psiquiatra”. E a despeito do que pensam os gramáticos normativistas de plantão, são eles, os falantes, que determinam as regras e o uso da língua. É assim com todas elas. Entretanto, a assunção desse direito tácito ao patamar legislativo representa mais uma pequena vitória na luta das mulheres pelo reconhecimento definitivo da sua emancipação.

 Com isso, a nossa primeira mandatária está autorizada a convidar os jornalistas pra o seu “Café com a Presidenta”, embora isso certamente continuará a provocar erupções cutâneas nos vetustos defensores da “última flor do Lácio”. A bem da verdade, nesse aspecto em particular, a lei que determina oficialmente o uso da forma “presidenta” não é esta citada, mas uma bem mais antiga, da época do Juscelino: Lei nº 2.749, de 1956, mas a abrangência desta nova lei é bem maior, embora uma leitura restritiva – e obtusa – diga que só se refere aos diplomas.

*Publicado originalmente no blog Na Cidade de Cabeça pra Baixo, em 19/6/2012.

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