Não tive a oportunidade de ver a Clara Nunes ao vivo, mas me apaixonei por ela desde a primeira vez que ouvi . E nem sei quando foi, mas lembro que a música era “O mar serenou”. Clara era/é uma força da natureza, assim como a música feita pra ela cantar pelo João Nogueira e pelo Paulo César Pinheiro.
Ontem, porém, fomos ver o show “Na linha do mar”, em que a cantora Deborah Rosa interpreta algumas músicas que foram imortalizadas por Clara. O início foi meio estranho, Deborah atravessou a letra de “Conto de areia”, misturou com “O mar serenou” e foi salva pela proximidade das músicas e pela competência da banda, que segurou a onda, sem trocadilhos. Quem não conhecesse bem o canto da Clara poderia achar que a mistura das músicas era proposital, mas para os fãs foi perceptível a atrapalhação da cantora, que no bis acabou reconhecendo que errou, ao dizer que desta vez conseguiria cantar o “Conto de areia”. Isso poderia prejudicar o show, mas logo em seguida Deborah retomou o controle e desfilou uma série de sucessos, apoiada pelo excelente trabalho da banda, um trio formado por baixo, bateria e violão (guitarra), respectivamente: Diego Ciocari, Ricardo Vivian e Daniel Rosa. Os arranjos foram adaptados para essa formação, o que deu alguns ares mais jazzísticos em alguns momentos, sem nenhum comprometimento da força das canções. A voz de Deborah é poderosa e ela tem uma boa presença de palco, apesar do nervosismo inicial. Eu fiquei com curiosidade de ouvi-la cantando Alcione, porque me parece que o timbre de voz é mais adequado para a Marrom, o que de maneira nenhuma prejudica as interpretações dela para a Clara.
Os momentos mais altos do show se dividiram em duas músicas extremamente fortes e significativas, que na voz de Clara traziam toda a ancestralidade africana para a frente da interpretação: “Canto das três raças”, verdadeiro manifesto explicativo da formação étnica do Brasil, composta por Paulo César Pinheira e Mauro Duarte, e “Morena de Angola”, canção que mostra a genialidade de Chico Buarque, que conseguiu inserir uma mensagem política exatamente ao seu gosto, de maneira que só os conhecedores da coisa pudessem compreender (“Morena, bichinha danada, minha camarada do MPLA…“).
Enfim, quem esperava ver uma imitação da Clara Nunes no palco deve ter saído frustrado do teatro. Mas a receptividade do público mostra que não era disso que se tratava, mas sim de uma homenagem, dentro dos limites que é possível se fazer a uma figura mitológica como é Clara. Saímos felizes do show e recomendo o espetáculo pra quem é fã da Guerreira.